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A Reforma Previdenciária e os Direitos das Pessoas com Deficiência

Por: admin

A Reforma Previdenciária segue avançando no Congresso Nacional e muitas pessoas com deficiência e famílias não tem nem ideia de como os seus direitos poderão ser impactados.

Então, para explicar de forma clara e didática a real situação das pessoas com deficiência neste contexto de mudanças previdenciárias, venho destacar 5 pontos que julgo ser os mais importantes no tocante aos direitos da pessoa com deficiência, considerando o atual momento de tramitação do texto da reforma.

Para isso, vamos esquecer aquele texto inicial da PEC 06/2019 e ir direto ao que interessa no texto base atualizado, já aprovado pela da Câmara dos Deputados e que segue para apreciação do Senado. Tomem nota!

 

  1. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA (BPC/LOAS)

Após as mudanças promovidas na Comissão Especial, absurdos do projeto inicial como o critério de patrimônio familiar de no máximo R$ 98 mil, foi removido do texto da reforma previdenciária, assim como a redução do benefício para os idosos, prevalecendo assim as regras que vigoram atualmente para concessão e manutenção do benefício, tanto para os idosos, quanto para as pessoas om deficiência que se enquadrem nos requisitos legais.

No que tange ao BPC o grande problema no texto aprovado ficou na inclusão do “parágrafo único” no art. 203, que trouxe para dentro da constituição o critério de renda familiar per capta inferior a um ¼ do salário mínimo.

Todos nós sabemos o quanto esse critério de renda é obsoleto e necessita ser revisto em nome da dignidade das famílias que realmente dependem desse benefício. Não é por acaso que esse critério de ¼ do salário mínimo por membro da família já vem sendo constantemente flexibilizado pelo Poder Judiciário em diversas ações previdenciárias.

A rigor, para modificar esse critério de renda para concessão e manutenção do benefício dentro das regras que vigoram hoje, bastaria uma simples alteração no texto da Lei 8.742/1993 (LOAS). Mas com o novo texto da Reforma Previdenciária, futuras alterações desse critério de renda só seriam possíveis por meio de uma nova emenda constitucional – procedimento muito mais rígido e que desconstrói a jurisprudência atual para redução do critério renda.

Por fim, o mesmo dispositivo do texto aprovado ainda prevê que, além do limite de renda familiar, outros “critérios de vulnerabilidade” poderão ser adotados por lei.

 

  1. APOSENTADORIA DO SEGURADO COM DEFICIÊNCIA (RGPS)

Atendendo a previsão do art. 201 §1º da Constituição Federal, temos em atual vigor a Lei Complementar 142 de 2013 que foi criada para estabelecer critérios diferenciados para aposentadoria da pessoa com deficiência, a chamada “aposentadoria especial da PcD”, uma grande conquista social que tem produzido efeitos significativos no contexto previdenciário até então.

Contudo, o texto base aprovado em primeiro turno na Câmara dos Deputados mantém a previsão do projeto inicial de que uma nova lei complementar poderá prever esses critérios diferenciados para aposentadoria por idade e tempo de contribuição para os segurados com deficiência.

Entretanto, ao menos em suas disposições transitórias, o texto base aprovado até o momento, deixa claro que, até que essa nova lei complementar seja feita, serão aplicadas as regras atuais previstas na LC 142/2013 para concessão de aposentadoria e cálculo dos benefícios aos segurados com deficiência.

Em suma, na forma em que o texto está aprovado, até que nova lei complementar regulamente o tema, a pessoa com deficiência mantém a garantia da aposentadoria por tempo de contribuição na forma do art. 3º da LC 142/2013, que basicamente funciona assim:

Aposentadoria por tempo de contribuição do segurado com deficiência

  • Deficiência grave: 25 anos de contribuição para o homem; 20 anos para a mulher;
  • Deficiência moderada: 29 anos de contribuição para o homem; 24 para a mulher;
  • Deficiência leve: 33 anos de contribuição; 28 para mulher;

 

Aposentadoria por idade do segurado com deficiência

  • Aos 60 anos de idade, se homem, e 55 anos de idade, se mulher, independentemente do grau de deficiência, desde que cumprido tempo mínimo de contribuição de 15 (quinze) anos e comprovada a existência de deficiência durante igual período.

Lembrando que essas regras serão aplicadas em caráter transitório, pois o texto da reforma previdenciária prevê que uma futura lei complementar ainda poderá estabelecer novas regras de aposentadoria para a pessoa com deficiência. (Temos que estar vigilantes!)

 

  1. APOSENTADORIA POR “INVALIDEZ” – INCAPACIDADE PERMANENTE

Na regra atual a aposentadoria por invalidez tem como base pagamento de 100% da média salarial do segurado quando da concessão do benefício.

Segundo o texto base já aprovado, apenas os segurados que se tornarem pessoas com deficiência em virtude de um acidente de trabalho, doença profissional ou do trabalho é que teriam direito a 100% da média salarial em caso de “aposentadoria por invalidez”, que passa a se chamar “aposentadoria por incapacidade permanente”.

Caso a deficiência incidental aconteça por outra razão, por exemplo um acidente de carro nas férias do trabalhador ou um AVC em casa no final de semana, segundo o texto da inicial da reforma, essa pessoa só teria direito a 60% da média salarial.

Caso esse segurado já tenha completado 20 anos de contribuição, o valor será acrescido em 2% por cada ano a mais, ou seja, nessas circunstâncias seriam necessários 40 anos de contribuição para chegar a 100% da média salarial.

Essas regras foram apresentadas no texto original da PEC 06/2019 e mantidas no texto base aprovado em primeiro turno na Câmara dos Deputados.

Entendo esse ponto como um triste retrocesso que afetará drasticamente a dignidade dos segurados que vierem a se tornar pessoas com deficiência com a condição de incapacidade permanente para o trabalho, principalmente os “sortudos” que vierem a entrar nessa situação de incapacidade ainda nos seus primeiros anos de contribuição.

 

  1. APOSENTADORIA DOS SERVIDORES PÚBLICOS COM DEFICIÊNCIA

Atualmente os servidores públicos com deficiência seguem aguardando ansiosamente pela criação da lei complementar prevista no art. 40, §4º, I do atual texto da Constituição de 1988, para que sejam estabelecidos os critérios especiais de aposentadoria do servidor nessa qualidade.

Por ora, no texto base aprovado retirou os estados e municípios da reforma previdenciária. Logo, o novo regramento só alcança os servidores públicos federais (pode ser que isso ainda mude no Senado).

Dito isso, vale destacar que o projeto mantém a previsão de que lei complementar futura poderá estabelecer regras diferenciadas de aposentadoria para o servidor público federal com deficiência.

Contudo, como disposição transitória, o projeto agora estabelece que, até que essa lei complementar seja feita, serão aplicadas as regras da LC 142/2013, assim como acontece com os segurados com deficiência do regime geral de previdência.

Nesse ponto, mesmo se tratando de regra de uma disposição transitória, vejo de forma positiva, uma vez que a LC 142/2013 já vem sendo aplicado de forma analógica, em diversas ações judiciais, para aposentadoria especial de servidores públicos com deficiência (caminho judicial que ainda poderá ser feito por servidores estaduais e municipais com deficiência que estão ficando de fora da reforma).

 

 

  1. PENSÃO POR MORTE DOS DEPENDENTES COM DEFICIÊNCIA

No projeto aprovado em primeiro turno na Câmara dos Deputados, as regras gerais sobre pensão por morte são as mesmas tanto para os segurados do INSS, quanto para os servidores públicos (federais).

Inicialmente é importante esclarecer que o texto não excluí o direito de pensão por morte de nenhum tipo de deficiência, como falsas notícias e boatos que circulam por pelas redes sociais.

Nesse ponto, o projeto de reforma previdenciária tão somente modifica regras em relação ao cálculo da pensão por morte e não sobre quem tem o direito de receber.

Para tanto, o texto base assegura regras especiais no cálculo da pensão por morte quando houver algum dependente com “deficiência intelectual, mental ou grave” (escrito com essa exata redação), na seguinte forma:

Se o segurado ou servidor que vier a falecer já estiver aposentado e receber até o teto do INSS (R$ 5.839,45), o valor a ser rateado entre os dependentes será o total da aposentadoria (100%) que ele recebia.

Caso o segurado ou servidor que vier a falecer ainda estiver na ativa, o valor a ser rateado para os dependentes será equivalente ao cálculo para aposentadoria por incapacidade permanente (60% da média por 20 anos mais 2% por cada ano além disso).

Se o segurado ou servidor, da ativa ou aposentado, que vier a falecer, receba valor superior ao teto do INSS, aplica-se uma cota de 50% do valor total, acrescido de uma cota de 10% por dependente.

Entretanto, o texto afirma que para o enquadramento dos dependentes na condição de “inválido” ou com deficiência intelectual, mental ou grave, pode ser reconhecida previamente ao óbito do segurado, por meio de avaliação biopsicossocial realizada por equipe multiprofissional e interdisciplinar, observada revisão periódica na forma da legislação.

Tecnicamente uma perícia realizada pelo INSS é que deverá aferir se o dependente de fato está incapacitado para o trabalho, bem como se a deficiência será considerada grave ou não, o que certamente será motivo de futuras ações judiciais em face do órgão previdenciário.

Por fim, vale destacar que, não havendo mais o dependente com deficiência o valor será recalculado na regra geral para a pensão por morte.

 

SERÁ QUE O SENADO ESTARÁ ATENTO AOS PONTOS DE RETROCESSO ?

Após ser aprovado por dois turnos na Câmara dos Deputados, o texto segue para o Senado, onde passará pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), antes de ir para o Plenário.

Espero que o Senadores estejam atentos a pontos que geram real retrocesso a conquistas sociais em matéria de direitos das pessoas com deficiência, sobretudo, quanto à constitucionalização do critério renda do BPC e da redução do valor das futuras aposentadorias por incapacidade permanente, uma vez que se tratam de situações que certamente vão afetar de forma negativa a qualidade de vida de muitos brasileiros – além de contrariarem os propósitos de dignidade extraídos da nossa Convenção Internacional sobre os Direitos da Pessoas com Deficiência.

A reforma previdenciária tem que acontecer pelo bem da nação e pela saúde econômica do país. Contudo, é necessário que haja responsabilidade política e social por parte dos parlamentares, no sentido de se preservar e garantir o mínimo de dignidade aos que mais precisam.

Na forma em que o texto se apresenta, a sangria econômica previdenciária pode até ser estancada no país, mas as desigualdades sociais e financeiras tendem a se agravar, sobretudo em relação às classes mais vulneráveis entre as quais ainda se encontram boa parte das famílias de pessoas com deficiência.

Agradeço a Revista Reação pela oportunidade de dar visibilidade a um tema tão relevante e de interesse de todo segmento.

Seguimos na luta !

* Thiago Helton é advogado especialista em Direito Constitucional e Membro da Comissão de Defesa dos Direitos das Pessoas com Deficiência da OAB/MG.

Nas redes sociais: @thiagoheltonoficial

 

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