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Cadeiras de Rodas manuais, motorizadas e triciclos: Como é e como está o mercado para fabricantes, revendedores e usuários no Brasil ?

Por: admin

Essa matéria Especial da Revista Reação traz, através de entrevistas com usuários e com os principais fabricantes, revendedores e profissionais que fazem parte do universo das cadeiras de rodas – manuais, motorizadas e triciclos – no Brasil, um pouco da história e das dificuldades e situações vividas no dia a dia com esses equipamentos tão importantes e necessários para as Pessoas com Deficiência.

São detalhes, informações, comentários, denúncias e esclarecimentos que podem modificar, elucidar, esclarecer dúvidas e fazer com que setores governamentais possam, quem sabe, rever as dificuldades impostas e facilitem o cotidiano dos empresários do setor, e que, de forma direta, traga mais qualidade de vida e acesso a melhores e mais produtos aos usuários.

O papel da Revista Reação, mais uma vez, assim como acontece desde seu primeiro exemplar, há quase 23 anos, é levar a informação correta e isenta ao seu leitor – pessoas com deficiência, seus familiares, profissionais do setor e ao terceiro setor – direta e indiretamente. Em especial, nesta edição, exemplares da publicação contendo esta matéria Especial, serão levados aos responsáveis pelos órgãos aqui citados, para que, não só tomem conhecimento das demandas do setor, mas para que, quem sabe, tomem providências para que hajam mudanças no mercado que favoreçam o consumidor e aqueles que produzem e levam produtos e equipamentos aos usuários, ou seja, milhões de brasileiros que precisam das cadeiras de rodas e similares no seu dia a dia.

A legislação brasileira é bastante completa na garantia dos direitos dos usuários, porém, não é cumprida. Recentemente, o Estatuto da Pessoa com Deficiência passou a vigorar, com o nome popular de LBI –  Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência – Lei Nº 13.146, de 6 de julho de 2015 – e em seu Artigo 8º diz que:  “é dever do Estado, da sociedade e da família assegurar à pessoa com deficiência, com prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à sexualidade, à paternidade e à maternidade, à alimentação, à habitação, à educação, à profissionalização, ao trabalho, à previdência social, à habilitação e à reabilitação, ao transporte, à acessibilidade, à cultura, ao desporto, ao turismo, ao lazer, à informação, à comunicação, aos avanços científicos e tecnológicos, à dignidade, ao respeito, à liberdade, à convivência familiar e comunitária, entre outros decorrentes da Constituição Federal, da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo e das leis e de outras normas que garantam seu bem-estar pessoal, social e econômico”.

Na mesma LBI, existe o capítulo que dispõe exatamente sobre Tecnologia Assistiva – Artigos 74 e 75, que dizem:

Art. 74 – É garantido à pessoa com deficiência acesso a produtos, recursos, estratégias, práticas, processos, métodos e serviços de tecnologia assistiva que maximizem sua autonomia, mobilidade pessoal e qualidade de vida.

Art. 75 – O poder público desenvolverá plano específico de medidas, a ser renovado em cada período de 4 (quatro) anos, com a finalidade de:

  • I – facilitar o acesso a crédito especializado, inclusive com oferta de linhas de crédito subsidiadas, específicas para aquisição de tecnologia assistiva;
  • II – agilizar, simplificar e priorizar procedimentos de importação de tecnologia assistiva, especialmente as questões atinentes a procedimentos alfandegários e sanitários;
  • III – criar mecanismos de fomento à pesquisa e à produção nacional de tecnologia assistiva, inclusive por meio de concessão de linhas de crédito subsidiado e de parcerias com institutos de pesquisa oficiais;
  • IV – eliminar ou reduzir a tributação da cadeia produtiva e de importação de tecnologia assistiva;
  • V – facilitar e agilizar o processo de inclusão de novos recursos de tecnologia assistiva no rol de produtos distribuídos no âmbito do SUS e por outros órgãos governamentais.

Parágrafo único. Para fazer cumprir o disposto neste artigo, os procedimentos constantes do plano específico de medidas deverão ser avaliados, pelo menos, a cada 2 (dois) anos.

Ou seja, a LBI existe, é lei. Tem que ser cumprida. Mas está sendo ?

O consumidor com deficiência, usuário dos produtos de Tecnologia Assistiva, especificamente neste caso, de cadeira de rodas, está exigindo e sabendo exigir os seus direitos assegurados em lei ? E os fabricantes, importadores, revendedores… também estão exigindo o que lhes é de direito perante o governo ? O governo por sua vez, através dos órgãos reguladores, está fazendo cumprir a LBI de forma consciente e efetiva, sem entraves e com respeito ao consumidor final e para com o empresariado do setor ?

O que esse Especial mostra é que muito do que está na LBI não é cumprido e muito menos cobrado por quem é de direito. Mesmo com um conhecido aparato de leis a favor, no cotidiano, muitas Pessoas com Deficiência não tem ainda, a informação para buscar e exigir seus direitos assegurados em lei. Assim, a dura realidade enfrentada pelo mercado de cadeira de rodas e triciclos – motorizadas ou manuais – no seu cotidiano é bem diferente do que deveria ser. O que se vê são produtos ainda com preços elevados na ponta, exigências necessárias, mas muitas vezes de forma inadequada e que oneram a cadeia produtiva e a ausência, por consequência, de produtos inovadores e de melhor qualidade para o consumidor final. O acesso, devido principalmente aos entraves, restringe o direito do consumidor com deficiência.

Vamos saber daqueles que vivenciam o mercado, a opinião sobre o assunto:

As Certificações e Regulações 

A ABRIDEF – Associação Brasileira da Indústria, Comércio e Serviços de Tecnologia Assistiva é uma entidade que tem como função agir como órgão de representação do setor de Tecnologia Assistiva – Pessoa com Deficiência, Mobilidade Reduzida e Idosos – encaminhando e coordenando as demandas das empresas associadas favorecendo o fomento, defesa, informação, mediação, consulta e a aproximação dos associados, de forma a incrementar as relações comerciais, políticas e promocionais. “O usuário, ao adquirir sua cadeira de rodas ou triciclo, ou qualquer outro equipamento, muitas vezes não tem ideia do que os representantes das empresas precisam enfrentar até oferecer o produto. É necessário vencer etapas, obstáculos e barreiras junto a órgãos federais, como: ANVISA – Agência Nacional de Vigilância Sanitária e INMETRO – Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia”, comenta Monica Cavenaghi, vice-presidente da ABRIDEF, associação patronal do setor.

Ela conta que muitos produtos de mais alta tecnologia até poderiam estar disponíveis aos usuários, mas os investimentos para que isso aconteça são tão grandes que os empresários não conseguem disponibiliza-los. “As certificações dos produtos no Brasil é necessária, e na medida em que são produtos de saúde demandam de uma certificação e regulação por parte do governo. Uma cadeira de rodas motorizada tem circuitos, motor, baterias… De fato, existe um risco para o usuário. Até mesmo uma cadeira de rodas manual pode apresentar defeitos de fabricação que podem ser graves, podendo desmontar e causar danos ao usuário, além de outros detalhes. A certificação e regulação são necessárias e importantes. Nós da ABRIDEF não questionamos isso, pelo contrário, nós apoiamos e na medida do possível, queremos ajudar a orientar os órgãos governamentais para que isso seja feito da forma mais adequada”, explica a vice-presidente.

Monica ainda avalia empecilhos que dificultam o mercado brasileiro: “são dois pontos que preciso abordar: custo e tempo. Em relação ao custo, as cadeiras são certificadas e registradas pela ANVISA, porém o órgão cobra suas taxas. O problema principal, no meio deste registro, é que é exigida a certificação do INMETRO. E isso é muito caro. São ensaios e testes laboratoriais específicos e no Brasil temos apenas três laboratórios que fazem isso e com preços bastante elevados. Quando uma cadeira é importada, por exemplo, esses ensaios são feitos no Brasil, porém, além disso, os técnicos do INMETRO tem que visitar a planta (fábrica) no país de origem. Imagine importar – por exemplo – uma cadeira de rodas chinesa e ter que arcar com custos, honorários, despesas para que esses técnicos brasileiros visitem essa fábrica na China ? Quanto ao tempo, do início do processo até ter seu produto registrado junto à ANVISA, e consequentemente liberado para comercialização, pode-se levar até 2 anos ou mais. Avaliando tudo isso, como uma empresa pode prever o que vai acontecer depois de dois anos quando ela inicia um processo desse porte ? Já vi empresas que fizeram uma análise, tomaram uma decisão e quando o produto estava disponível para comercialização o mercado havia alterado drasticamente e todo o investimento feito nos dois anos foi perdido. Problema maior ainda é que o alto custo de certificação do produto, praticamente inviabiliza a importação de equipamentos que atendam uma demanda mais específica e, portanto, terá um giro menor. Fazendo uma análise de mercado, percebe-se que o produto é bom, mas pode ter baixa demanda. No momento da análise custo e benefício, não se consegue trazer esse produto porque o custo de certificação é tão alto que não faz sentido comercializá-lo no Brasil pelo número de unidades que se pode vender e o investimento alto que teria que ser feito para isso acontecer de forma legalizada. A consequência é que não se lançam esses produtos novos e de alta tecnologia no mercado em nosso País”. Pelo que se percebe, como se diz: a conta não fecha !

A Comissão de Estudos de Cadeira de Rodas do CB 26 da ABNT – Associação Brasileira de Normas Técnicas é coordenada por Rodrigo Real, que diz: “na realidade atual, várias certificadoras estão atendendo o segmento, portanto existe concorrência e várias opções para as empresas. Porém, ainda temos o problema de poucos laboratórios, o que leva a pouca (ou nenhuma, em alguns casos) concorrência e também a prazos muitos longos. Nessa parte precisamos melhorar bastante”.

O que diz o Mercado

“A fase mais difícil enfrentada pelas empresas deste setor é a do desenvolvimento dos produtos para atender as exigências legais. Todo novo projeto demanda investimentos em dispositivos e ferramentas de produção que possam garantir a qualidade para atender as exigências das normas de certificação aos quais os produtos devem ser submetidos bem como conseguir a autorização dos órgãos competentes para a comercialização, ambos os processos por serem muito demorados, burocráticos e onerosos são a principal dificuldade”, garante  Anderson Vrielink, gerente comercial da Ortomobil, fabricante que tem sede em Garibaldi/RS, com apenas 3 anos de atividades.

            “Sem duvida a agencia reguladora ANVISA é o maior empecilho,  seguida das próprias dificuldades enfrentadas pelas pequenas empresas no Brasil“, comenta Paulo Cesar Fernandes, chefe executivo da Smart, fabricante de cadeiras de rodas sediada em Goiânia/GO.

“A fase difícil ainda não passou. Todas as vezes que olhamos para o mercado nacional e comparamos ao mercado internacional temos clareza que a fase mais difícil ainda não foi superada. Sem dúvida já tivemos grandes avanços com a LBI, porém pela falta de informação, a lei não é cumprida. As pessoas lá fora a partir de um diagnóstico podem contar com total respaldo do governo para aquisição da sua cadeira de rodas. Aqui no Brasil, a responsabilidade de promover acesso ainda parece ser exclusiva da família da pessoa com deficiência. Acredito que a partir do momento que as pessoas tiverem plena consciência do seu direito e tiverem ações efetivas para a lei ser cumprida, teremos então, uma mudança importante de como as pessoas com deficiência são inseridas no contexto de vida. E ai a fase difícil do mercado terá sido vencida”, diz Fabiola Canal Merlin Dutra, Gerente de Produtos da Cavenaghi, loja com sede na capital paulista e que revende marcas nacionais e importadas.

            Para Valério Câmara, gerente administrativo da Seat Mobile, fabricante com sede na cidade de Cajamar/SP: “temos exigências técnicas e de qualidade exigida pelos órgãos competentes que não se compatibilizam com a visão do cliente, que infelizmente relega a qualidade, garantia de procedência, o registro dos produtos que seguem as normas internacionais, tudo em detrimento do preço. Brasileiro gosta de preço baixo sem se importar com a qualidade, infelizmente. Uma fase difícil vem ocorrendo desde o ano 2016, onde a crise econômica afetou não só esse mercado, mas o País como um todo, com elevação de custos de toda a cadeia produtiva, reduzindo as margens e freando investimentos”, alerta o fabricante.

Outro que comenta na mesma linha é o CEO da Expansão, fabricante com ênfase na adequação postural, com sede na capital paulista. “Desde meados de 2017, até os dias de hoje, estamos enfrentando nossa pior fase, considerando nossa história e períodos de alta inflação. Entendemos que  a economia  muito recessiva e a falta de verba governamental para as instituições como: Apae, Pestalozzi, Prefeituras etc, sejam os responsáveis por essa situação. Temos também problemas com concorrentes, que oferecem a custos baixos, equipamentos com baixo nível de tecnologia e também  os mesmos não possuem a qualidade e efetividade terapêutica que nossos equipamentos oferecem, por exemplo”, afirma Silvio Morillo.

“A grande dificuldade deste mercado é a falta de transparência das políticas públicas,  pois somos altamente dependentes do estado através dos SUS  e INSS –  o SUS desde 2008 não promove reajustes da tabela de preços”, argumenta Ricardo Oliveira,  Managing  Director da Ottobock do Brasil, empresa multinacional alemã com mais de 45 anos atuando em nosso País, com sede na cidade de Valinhos/SP.

“Entramos em uma recessão no mercado brasileiro desde meados de 2014, quando a alta do dólar superou as barreiras dos R$ 4, dificultando muito o processo de importação, já que trabalhamos com distribuição no Brasil de produtos importados e isto ocasionou uma alta nos valores dos produtos distribuídos, foi quando tivemos a necessidade de investir no mercado brasileiro de produtos nacionalizados e focamos no nosso nicho de mercado, nas vendas governamentais, com produtos da tabela SUS. E a maior dificuldade hoje são os altos preços das matérias primas que sobem constantemente e a tabela SUS sem reajuste há mais de 5 anos dificulta atender com alguns modelos de extrema necessidade ao usuário”, comenta Wander Saraiva de Carvalho, diretor fundador do grupo Ortopedia Brasil – Ortomix, empresa com 34 anos de existência, com fábrica localizada em Aparecida de Goiânia/GO e 3 lojas, sendo 2 em Goiânia/GO e 1 em Foz do Iguaçu/PR.

 

A avaliação sobre o mercado de Cadeira de Rodas Manuais, Motorizadas e Triciclos ?

“Atualmente temos disponíveis no mercado muitos modelos de cadeiras de rodas, em todas as suas variedades – modelos, configurações, materiais. Há alguns gargalos quando nos referimos às cadeiras para usuários de maior dependência funcional – poucos modelos e fornecedores, cadeiras infantis e somente temos um fabricante nacional que faz cadeiras de rodas motorizadas infantis, mas que não distribui em todo o território nacional. Temos muita oferta de cadeiras ativas e dos modelos que atendem a demanda de adultos atendidos pelo SUS”, comenta a doutora Maria de Mello, uma das maiores referências do País no assunto, que é pós Doutora em Ciências da Reabilitação, Tecnologia Assistiva e Saúde da Pessoa Idosa e com Deficiência. Ela é Terapeuta Ocupacional e coordenadora geral da Technocare, empresa de consultoria em reabilitação e loja com sede em Belo Horizonte/MG. A profissional, além de participar de comissões e trabalhos referentes a cadeiras de rodas junto a governos e indústria, atende pacientes em todo o Brasil.

            Na opinião de Fernanda de Vargas, do marketing da fabricante gaúcha Ortobras, uma das mais tradicionais marcas nacionais: “estamos em constante melhoria para diferenciação do produto devido às exigências do mercado, que se encontra em constante crescimento também através da concessão de alguns destes equipamentos pelo SUS”.

“Um mercado inclusivo, com políticas públicas claras e fabricantes nacionais de excelência” é o que espera Gino Salvador, sócio-gerente da Freedom, outra tradicional fabricante gaúcha.

“Novamente a questão está na alta do Dólar e com isto o alto custo de produtos importados tanto no seguimento de cadeiras de rodas Motorizadas e scooter (triciclos), mas como somos distribuidores de uma das mais conhecidas marcas mundiais desses produtos, tivemos uma parceria com nosso fornecedor que nos deu a exclusividade de distribuição no Brasil com preços competitivos”, conta o diretor da Ortomix.

            A Carone, fabricante com sede no Ceará, analisa o mercado por uma visão que inclui o idoso também como usuário potencial. “É um mercado que cresce cada dia mais. O envelhecimento da população, os movimentos de inclusão das PcD também ajudam muito. Acessibilidade e qualidade de vida serão sempre mercados em crescimento”, destaca Yalis Cardoso, gerente administrativa da empresa.

“O mercado está em crise existencial e econômica. Neste momento, a crise de confiança no futuro, seja na política, seja nos rumos econômicos que estão por vir, deixa o mercado em um estado de espera, com investimentos deixando de ser feitos e expansão de produção represadas. O mercado de Motorizadas hoje no Brasil é culturalmente focado em preço e como não existe milagre, o consumidor concorda em receber qualidade e durabilidade menores. As diferenças de qualidade, durabilidade existem nos vários modelos disponíveis de diferentes fabricantes e importadores, cada um com a sua característica específica e propósito de uso. O consumidor não se atenta a isso na hora da compra, não busca as informações corretas e depois se decepciona. Neste segmento não existe ‘negócio da china’ e nem milagres, o barato sempre sai caro no final”, ressalta o gerente da fabricante paulista Seat Mebile, Valério Câmara.

“O mercado de cadeiras de rodas é muito competitivo no Brasil e, de 2011 para cá, surgiram novas marcas, tanto nacionais como importadas. O maior problema desse movimento foi a entrada de produtos fabricados na China. Eu vejo isso com grande preocupação, pois são produtos fabricados em larga escala, com o único interesse de vendas em volume e a busca por lucro, somente lucro. A cadeira de rodas é um produto de Tecnologia Assistiva e padronizar não é correto. Quem sai perdendo é a pessoa que vai usar esse produto. Recebemos na empresa constantemente muitas pessoas que usam essas cadeiras padronizadas e após um tempo de uso, acabam desenvolvendo sérios problemas de saúde, alguns exemplos são os problemas posturais, gerando fortes dores na coluna ou no corpo em geral, rotação de quadril, problemas nos ombros e tendões, escaras (úlcera de pressão), insônia, problema de digestão, entre tantos outros que podem surgir devido ao mau posicionamento numa cadeira de rodas”. Quem faz esse alerta importante é Carolina Kobylanski, CEO da Jumper Equipamentos, com sede no interior de São Paulo/SP.

            Luiz Fernando é diretor da Vanzetti Equipamentos, com sede também no interior paulista e loja na capital. Ele faz um comentário focado no valor da Tabela SUS, com valores congelados há anos, dificultando o trabalho de fornecedores e fabricantes. “Com o esvaziamento de verbas por parte das entidades que atendem as pessoas com deficiência, o governo passou a repassar os produtos diretamente aos usuários que necessitam deste tipo de equipamentos, desta forma passamos a fornecer diretamente, só que com preços de tabela SUS, levando-se em conta que a tabela esta muito defasada. Sendo assim, tivemos que nos adequar à esta nova realidade de mercado, reduzir custos, criar novas possibilidades, buscar novos mercados que antes não atuávamos e tentar inovar com novos produtos que venham de encontro ao ensejo do cliente são uma saída para esse momento”, afirma.

“Como somos especialistas em cadeirantes e não uma ortopedia, trabalhamos com as melhores marcas nacionais e importadas. Costumo dizer que só vendo o que eu usaria, a tecnologia importada está bem mais evoluída do que no nosso País, porém com o dólar alto, não fica acessível financeiramente para todos. Nas cadeiras nacionais,  percebo que as fábricas evoluíram bastante nos últimos 3 anos, aumentando a competitividade entre os fabricantes, o que é muito bom também para nós cadeirantes”, comenta Mariane Sant’Ana, consultora operacional da Linha Move, loja multimarcas com sede no ABC paulista e na zona sul da capital.

            Outro lojista referencial do setor é Luciano Santos, proprietário da Casa Ortopédica, com sede no bairro do Ipiranga em São Paulo/SP e com forte foco nas vendas através do seu site. Ele alerta para outro ponto: “a população do Brasil é pobre. A tecnologia gera um custo e a população não conseguiu ter uma renda que acompanhasse esse custo. O Governo – sem citar este ou aquele – tentou criar programas assistencialistas, onde ele seria o mantenedor dessa população, fornecendo cadeiras para atender a grande demanda popular. Acontece que o Estado não consegue absorver. E com isso, o Governo paga pouco e a qualidade das cadeiras é muita reduzida. Atende-se, aquém das necessidades mínimas das pessoas. Muitas vezes o Estado até atende a PcD, mas com produtos bastante inferiores”.

Como sobreviver ao mercado brasileiro ?

Rodrigo Real, coordenador da Comissão de Estudos de Cadeira de Rodas do CB 26 (ABNT), afirma que: “as demandas dos fabricantes – hoje – tem sido mais relacionadas com as questões de custo e prazo, além disso, existe uma reclamação com relação aos valores pagos pelo SUS e também a crise do mercado. Na prática o custo do produto subiu, tanto pelo mercado em crise como também pelo aumento nas exigências de certificação com mais ensaios agora, porém, os valores praticados no mercado privado e público estão praticamente os mesmos. Apesar do aumento do custo, atualmente a regulação do mercado tem sido favorável ao fabricante nacional que mira no longo prazo, pois com o mercado mais regulado, a presença de empresas oportunistas diminui, até porque são necessários muitos passos para começar a vender um produto importado, por exemplo”.

“Não acho que seja um mercado difícil. Como qualquer outro, você precisa ter conhecimento, dedicação e tecnologia agregados”, comenta Mara Servan, diretora da Jaguaribe, uma das mais tradicionais fabricantes brasileiras, com sede fabril na cidade de Ferraz de Vasconcelos/SP e escritório na capital paulista.

“A forma que encontramos para sobreviver neste mercado foi nos mantermos focados em nosso propósito principal, que é transformar vidas. Acreditamos que os pilares para o crescimento devem ser a confiança, criatividade e inovação. O segredo é investir constantemente em pesquisa e desenvolvimento de novas soluções capazes de atender às necessidades reais dos usuários”, diz Júlio Oliveto Alves,

diretor da Livre, fabricante do conhecido Kit Livre, equipamento que motoriza cadeiras de rodas manuais transformando-as praticamente em triciclos, que faz sucesso principalmente junto aos usuários mais radicais. A empresa, com sede no Vale do Paraíba, no estado de SP, também produz triciclos motorizados lançados recentemente.

Quem trabalha com adequação postural, por exemplo, vive uma situação bastante particular. “Nossos produtos são totalmente customizados, ou seja, readequamos ele para atender a necessidade de cada usuário. Acreditamos ser o maior diferencial para enfrentarmos todas as dificuldades do mercado. Para isso, os projetos tem que ser realizados com maior rapidez, qualidade e conforto”, afirma  Luiz Fernando, da Vanzetti.

“Focamos em processo de fabricação, investimentos em pessoal qualificado, logística, parcerias com fornecedores, flexibilização de negociação de vendas… este é um mercado muito concorrido”, comenta Wander, da Ortomix.

“Apesar de todas as dificuldades, não se pode abrir mão de manter o seu atendimento e principalmente a qualidade de seus serviços, mesmo abrindo mão de dessa forma, atender a uma parcela de clientes que só pensam em preços. A decisão do cliente sempre é soberana e temos que respeitar isso. Nossa empresa, por exemplo, não é perfeita e nem a prova de erros, não temos o preço mais baixo do mercado, mas procuramos ter um serviço e produtos de qualidade, com procedência e garantia assegurada”, conta Maria Lucia Panelli, gerente comercial da Vivere, loja e assistência técnica com sede na zona norte da capital paulista.

Legislação, órgãos e comparativos 

A Dra. Maria de Mello diz que tem acompanhado de perto o cenário nacional relativo às cadeiras de rodas de diferentes perspectivas. “Não me sinto feliz com que vejo. Mesmo o SUS tendo assumido sua responsabilidade de conceder mais cadeiras de rodas, ampliando os serviços e mesmo com o Banco do Brasil oferecendo a linha de crédito BB Acessibilidade, o mercado não consegue se organizar de forma a satisfazer o usuário final. A maior dificuldade que vejo no mercado é a baixa qualidade da maioria dos produtos ofertados. Temos alguns importadores e fabricantes que embora atendam a legislação vigente, entregam consistentemente produtos com defeitos de fábrica, ou não entregam na especificação do pedido”.

A superintendente do IBDD – Instituto Brasileiro dos Direitos da Pessoa Com Deficiência, Teresa Costa D’Amaral, vai mais além e aponta outro difícil obstáculo para as PcD. “A dificuldade de acesso à saúde sempre foi um grande obstáculo na vida das pessoas com deficiência. Sempre foi um enorme desafio receber serviços  básicos de saúde e equipamentos indispensáveis à vida diária. Cadeira de rodas, aparelhos de auxílio à respiração, próteses, dentre muitos outros, deveriam ser entregues pelos serviços básicos de saúde em processo rotineiro e rápido, porque são essenciais à manutenção da saúde e da vida, mas são negados como se fossem demandas desarrazoadas das pessoas com deficiência. Nos últimos anos houve um movimento de procurar esses direitos através da Justiça. Processos judiciais tornaram possível resolver desde casos comuns como medicamentos de uso contínuo até próteses mais adequadas à deficiência específica do atendido e que não são concedidas pelos serviços de saúde. Havia demora entre a decisão da Justiça e o cumprimento da sentença pelos estados ou municípios, mas sempre era possível ter esperança. Hoje vemos com espanto a Justiça passar a dificultar, e mesmo negar, o acesso de pessoas com deficiência a esses direitos básicos de cidadania. É preciso chamar a atenção, fazer um alerta, para mais essa barreira que vai se criando no já difícil círculo de exclusão em que vive a pessoa com deficiência no Brasil”.

“Hoje a tecnologia está muito a favor das pessoas com deficiência. O acesso não é para todos, devido aos altos custos. Os órgãos brasileiros até que ajudam de alguma forma, mas não individualmente, ou seja, deveriam atendê-los caso a caso e não generalizando, mesmo porque cada pessoa possui uma deficiência diferente da outra e nem sempre podem usar os mesmos equipamentos, inclusive as cadeiras de rodas”, alerta Mariane Sant’Ana, da Linha Move.

“Sem dúvida os órgãos regulatórios como a ANVISA são um entrave à liberdade de escolha de um produto. O usuário é penalizado por não poder ter algo que lhe serviria e muito nas suas atividades diárias, pelo fato do mesmo não possuir um registro sanitário, produtos já testados e aprovados em países de primeiro mundo que não podem ser importados. Um equipamento desse pode ser a ‘vida do usuário’ em termos de independência e ele terá que se contentar em ficar vendo nas redes sociais as maravilhas acontecendo”, comenta Paulo Cesar Fernandes, da Smart.

“Tanto fabricantes como lojistas no dia a dia de trabalho acabam passando por dificuldades em atender a tantas exigências de legislação ao longo dos processos, seja de desenvolvimento, seja de comercialização e principalmente de Registro dos produtos junto aos órgãos competentes. Estas dificuldades acabam se transformando em custos que limitam e reduzem os investimentos das empresas na pesquisa de novas tecnologias que permitiriam o desenvolvimento de produtos mais modernos. Esta situação seria melhorada com a revisão da legislação para tornar menos burocrática e onerosa além da criação de linhas de crédito de baixo custo específicas para o segmento para subsidiar pesquisas de novas tecnologias”, alerta  Anderson Vrielink, da Ortomobil.

“Quanto mais as empresas se adequarem as exigências regulatórias, mais as Pessoas com Deficiências estarão utilizando equipamentos com qualidade e modernidade (inovação). Como uma pessoa pode comprar uma cadeira de rodas que não passa em testes mínimos ? Como um simples teste de resistência de cargas ? Somente através de testes e certificações que atestam essa qualidade que os usuários poderão comprar com tranquilidade um produto bom. Se não houver exigência e legislação, qualquer ‘empresa de fundo de quintal’ fabrica e vende esses equipamentos. Por isso o maior empecilho é a falta de fiscalização dos órgãos competentes em todas as empresas que fabricam e comercializam cadeiras de rodas e produtos para pessoas com deficiência”, diz Carolina Kobylanski,  da Jumper.

“Existem diversas iniciativas inovadoras e tecnológicas de pesquisadores e pequenas empresas que acabam não se estabelecendo no mercado e disponibilizando suas soluções em escala por conta da dificuldade enfrentada, onde algumas empresas tradicionais buscam impedir a ação desses pequenos negócios com manobras relacionadas a órgãos brasileiros e concorrência desleal. Esse fator acaba dificultando a oferta de novas tecnologias ao público, que se vê refém”, diz Júlio Oliveto,  da Livre.

“A indústria nacional, na área de Tecnologia Assistiva, não recebe como em outros países: EUA, Canadá, Europa etc, os incentivos para o desenvolvimento tecnológico, criação e desenvolvimento de invenções com solicitação de patentes subsidiadas, parcerias universitárias sem contrapartidas, aprimoramento do corpo de funcionários etc. Assim sendo, nossa indústria tem que arcar com os custos totais da modernidade de seus equipamentos”, conta Silvio Morillo, da Expansão.

“A legislação não é empecilho para quem trabalha de forma correta e dentro da lei. Os órgãos de controle e fiscalização no Brasil poderiam ser mais eficientes. Todos sabemos disso. Mas o que limita mesmo o acesso aos produtos mais modernos é a questão financeira. No mercado brasileiro e no mundo inteiro este é um segmento específico onde a escala de produção é pequena, por isso não se pode comparar, como muitos clientes fazem, o valor de uma cadeira motorizada com uma moto 125 cilindradas, por exemplo”, compara Maria Lucia Panelli, da Vivere.

“No ano passado, em setembro, participamos com nossa equipe da maior feira do seguimento na Alemanha (Rehacare) e como distribuidores das melhores marcas de produtos e acessórios, vimos que não estamos muito fora da realidade em nosso país, temos todas as novas tecnologias aqui também mas é claro que se tratando de produtos importados, eles podem chegar aqui com preços fora da nossa realidade, como por exemplo, uma cadeira totalmente de fibra de carbono europeia que pode chegar ao absurdo preço de aproximadamente R$ 40.000 no Brasil !”, conta Wander, lembrando que, produtos similares asiáticos, com excelente qualidade, podem chegar a quase um terço deste valor. “Se tivéssemos incentivos do governo com valores subsidiados poderiamos trabalhar com produtos importados dentro da nossa realidade”, afirma o diretor da Ortomix.

Efeitos complicadores

A formação de profissionais para atuarem na ponta deste segmento é um complicador. A falta de profissionais com real habilitação para atender pessoas com deficiência de uma forma satisfatória no Brasil, precisa ser revista. Maria de Mello afirma que: “de um lado temos profissionais de saúde que não são habilitados de forma suficiente a fazerem indicações seguras por não aprenderem o conteúdo relativo em seus cursos e assim são facilmente influenciáveis pelos fornecedores em seus workshops de venda de produtos; de outro lado temos fabricantes e importadores que querem vender a qualquer custo com políticas de mercado que têm prejudicado as revendas que fazem de tudo para se manter no mercado diante das dificuldades de prazos de entrega, defeitos de fábrica, falta de treinamento por parte dos fabricantes e importadores e, finalmente, temos os consumidores, que têm poucas opções de produtos dentro de determinadas categorias. Quando recebem o produto, muitas vezes vem com defeito ou com alguma diferença do solicitado. A revenda – nesse meio de campo, fica com mãos atadas para resolver a questão”, alerta a especialista.

“Isso não cabe aos Organismos Certificadores, mas sim ao respeito que a sociedade de forma geral e em especial ao Estado, que agora começa a impor Normas de Acessibilidade”,  Orlando de Carvalho, Diretor da Carci.

“Não acredito que nossa legislação seja um problema para a melhoria dos produtos. Pelo contrário, nos faz buscar outros caminhos. Não acho que dificultem, acho que reduz o erro. Precisamos apenas de mais fiscalização para que o mercado seja nivelado pela qualidade”, Mara Servan,  Diretora da Jaguaribe.

            Não só os órgãos reguladores são complicadores, a Tabela aplicada pelo SUS para pagamento dos equipamentos disponibilizados aos cidadãos também é. Quem quer fornecer em grande volume para o SUS e os governos de forma geral – municipal, estadual ou federal – ficam sujeitos aos valores dos produtos e serviços fixados na chamada Tabela SUS, que não sofre reajustes há décadas, portanto, totalmente defasada.

“Além do INMETRO e ANVISA pior ainda é uma TABELA SUS que ancora uma política pobre, insustentável com uma tabela de preços totalmente fora de contexto”, diz Paulo Cesar Fernandes, da Smart.

“Acredito que estes fatores não são complicadores, são ferramentas necessárias para que produtos com mais qualidade de fabricação possam chegar a pessoas com poder aquisitivos mais baixos, pois vimos uma grande quantidades de fábricas de pequeno porte no Brasil participando de processos licitatórios com produtos de péssima qualidade, e estas regulamentações vieram para qualificar e aprimorar estes processos de fabricação, sabemos que existem poucos laboratórios credenciados ao INMETRO no Brasil, isto dificulta, mas e o caminho certo para que empresas se qualifiquem para atender com qualidade dentro das novas regulamentações, isto vai trazer nova qualidade de produtos ao País”, afirma Wander, da Ortomix.

“Com relação ás Agências Reguladoras, elas buscam organizar, certificar empresas,  processos e produtos. Achamos isso certo, pois produzir com qualidade e muito mais fácil, o que também disciplina o mercado.  O problema é que a conta sobra para quem gera emprego, renda, ou seja, a indústria. Não temos ajuda, amparo e tempo para realizar. As regras não são claras e muito menos de bom senso. Temos que realizar este investimento sob o risco de deixar de produzir e fechar as portas”, alerta Luiz Fernando, da Vanzetti.

Um alerta hoje em dia aos usuários é para que tomem cuidado com as redes sociais. “Inmetro e ANVISA exigem o que se exige no mundo todo, mas aqui custa mais caro. O que deveriam fazer e não fazem, é fiscalizar os WebDealers e as vendas indiscriminadas de produtos que se realizam pela internet, Mercadolivre, OLX e outros. Relatos de gente que comprou produtos e se acidentou são frequentes. Clientes que compram produtos sem critério pela internet, sem nota fiscal e sem garantia e depois procuram as lojas físicas e regularizadas para solucionar seus problemas. Isso ocorre todo dia, e quando constatam que compraram errado um produto incompatível e não conseguem trocar ou ter seu dinheiro de volta, acham que a culpa é nossa, mesmo não tendo comprado de nós. O consumidor com deficiência brasileiro precisa mudar seus hábitos de compra”, alerta e critica Maria Lucia, da Vivere.

Ricardo Oliveira, da Ottobock, expõe o seu ponto de vista: “para nossa empresa, que está preparada para utilização dos processos internacionais, tanto o INMETRO quanto a ANVISA não têm sido órgãos complicadores para o desenvolvimento e a importação de novas tecnologias”.

“O Brasil oferece um embaraço burocrático muito grande. São mudanças fiscais, de legislações, barreiras interestaduais, falta de entendimento entre os próprios órgãos tributários, o que é muito ruim. Estamos vivendo em um país que se criou uma ideia muita assistencialista. As pessoas vivem de uma mentira de que o Governo vai oferecer produtos e atender demandas, isso é muito grave. Uma linha de produtos permitidos, são de valores baixos, onde o fabricante não consegue um produto de maior qualidade, caso contrário foge do piso de fornecimento. O consumidor em geral acredita que será atendido. Essa cultura assistencialista é muito perigosa. Mas temos que lidar com ela”, argumenta Luciano Santos, da Casa Ortopédica.

Flexibilidade Brasil: importação e exportação ?

“Precisamos de políticas que facilitem a chegada de novas tecnologias bem como oportunidades de apresentar nossos produtos no cenário mundial. Posso afirmar que temos ótimos produtos com condições de competir em nível mundial. Isso acontecendo, o que poderia ser diferente para a PcD ? Recebendo mais oportunidades e com a troca de tecnologias com o mercado externo: novos conceitos podem ser aplicados aos nossos produtos, o que teria um reflexo direto e imediato na vida do usuário”, garante Anderson Vrielink, da Ortomobil.

            Da mesma forma entende a gerente da Cavenaghi, Fabiola Dutra: “Por se tratar de equipamentos para a saúde, há burocracias necessárias para que o produto tenha acompanhamento da qualidade e atenda as exigências para comercialização, porém uma maior flexibilização em alguns pontos de legislação melhorariam a possibilidade de exportar e importar com preços competitivos, o que traria vantagens bem importantes ao mercado e clientes. Os altos investimentos em documentação e cumprimento de burocracias certamente dariam margem em investimentos para a abertura de novas frentes e novas tecnologias. E partindo da premissa que quanto mais tecnologia o mercado nacional tem, mais vantagens para segmento como um todo”.

“A legislação de ANVISA/INMETRO, nos impede de ter um valor competitivo para estas modalidades. Países como: Paraguai, Uruguai e Colômbia, por exemplo, possuem processos mais simplificados para tais ações. O maior diferencial seria o acesso das PcD a produtos mais tecnológicos para tornar a vida mais independente e funcional. No entanto a barreira ainda continuaria sendo os custos de aquisição incompatíveis com nosso mercado, restringindo a aquisição apenas por uma parcela de poder aquisitivo maior”, afirma Fernanda de Vargas, da Ortobras.

A importação requer cuidados que resguardem também a indústria nacional de alguma forma, até para que se torne mais justa a competitividade e não cometamos erros que ocorrem em outros setores da economia, onde os produtos importados acabem tendo mais vantagens tributárias e isenções de impostos que os produtos fabricados no Brasil, prejudicando toda a cadeia produtiva nacional e tornando o trabalho da indústria brasileira inviável e os preços não competitivos. Não se pode gerar empregos na indústria, girar a economia e recolher impostos no Brasil, e no ponto de venda, o produto importado da mesma categoria custar infinitamente menos que o similar nacional. “A abertura econômica é uma necessidade, porém esta tem que ser regulamentada para que garanta a qualidade e pluralidade. Hoje o custo Brasil é um grande inimigo da internacionalização para os fabricantes, como também a extensão territorial para os importadores”, lembra Gino Salvador, da Freedom.

“Nesse quesito, temos que ter incentivos fiscais que possibilitem a importação de produtos de primeira linha e novas tecnologias que ainda não são fabricadas aqui no Brasil e viriam a colaborar para que as pessoas com deficiência possam ser contempladas e com isso e proporcionar uma vida de maior qualidade e bem-estar. As exportações devem ser também incentivadas para o desenvolvimento econômico do setor, proporcionando a diminuição do preço final para o consumidor nacional. Quanto mais acesso as tecnologias modernas que facilitam o dia a dia das PcD melhor”, afirma Yalis Cardoso, da Carone.

O Brasil tem um grande campo para exportação de seus produtos para países onde a Tecnologia Assistiva ainda é precária. Um exemplo disso é a América Latina, que quase toda busca produtos como cadeiras de rodas – tanto manuais, motorizadas e triciclos – nos EUA e na Europa, pagando em dólar e euros, por não possuírem indústrias em seus territórios. Para esses países seria muito mais inteligente logisticamente falando e economicamente também – uma vez que comprariam em Reais e a um custo de frete muito mais barato pela proximidade – se viessem buscar essas soluções nas indústrias brasileiras e não europeias e americanas. É uma questão não só de cultura, mas também de uma política governamental e sanitária facilitadora que pudesse fomentar essa ação de exportação desses produtos “made in Brazil”.

“Sempre fui um ferrenho defensor da Indústria Médica Hospitalar Brasileira, sou sócio da ABIMO a mais de 40 anos e fomos pioneiros na participação de Feiras Internacionais, levando o potencial de Indústria Nacional e hoje enfrentamos a concorrência da China em toda linha de produtos para saúde”, lamenta Orlando de Carvalho, da Carci.

“Se tivéssemos um câmbio mais estável, certamente poderíamos estar distribuindo mais produtos importados com qualidade, mais tecnologia em acessórios, mais produtos novos e outras linhas de seguimento para aprimorar mais o que já existe”, afirma Wander, da Ortomix.

“O Brasil ainda não decidiu o que quer fazer. Se quer ser um bom desenvolvedor de produtos e ter uma indústria forte, com pesquisa, tecnologia e lançamentos – barrando o importado. Hoje da forma como está, abrindo para os importados, se quebra a indústria nacional sem dó, porque o que temos para comercializar enfrenta muita tributação, legislação e tantas obrigações a fazer, que é impossível disputar com o produto importado”, alerta  Luciano Santos, da Casa Ortopédica

O que o leitor da Revista Reação tira disso tudo ? 

            Pedimos para os players desse setor – tanto indústria, comércio, como também de serviços – envolvendo a cadeira de rodas: manuais, motorizadas e triciclos – deixarem algumas mensagens aos nossos leitores, para que tirem suas conclusões sobre tudo que foi debatido e discutido nesta matéria especial. Vejamos a opinião desses profissionais, que estão entre os que mais se destacam dentro deste segmento no Brasil:

“A comercialização da maioria dos produtos destinados à pessoa com deficiência precisa seguir normas e regulamentos em nosso País, o que implica em tempo e investimento, e todas as empresas que trabalham com esses equipamentos deveriam segui-las: seja indústria como também o comércio. E de forma legal, obviamente, esse investimento reflete no preço final ao consumidor. Sendo assim, o tempo e a aderência são decisivos para uma tecnologia importada ser trazida para comercialização no Brasil”, diz Fabiola Dutra, da Cavenaghi.

“Recomendo que o consumidor precisa conhecer mais os seus direitos, pois temos hoje legislação de primeiro mundo, mas a sociedade organizada é pouco presente em suas cobranças”, alerta Gino Salvador, da Freedom.

            Valério Câmara, da Seat Mobile, completa dizendo que: “o leitor e o consumidor deveriam entender e refletir melhor que existe um contexto complexo para o desenvolvimento e produção de equipamentos no Brasil, que difere em alguns aspectos do restante do mundo. Nosso mercado potencial é alto, nosso mercado real é muito pequeno ainda, nosso País não possui uma estrutura de suporte clínico e financeiro adequado, e isso aliado a um valor cultural nacional que é desprezar a qualidade em detrimento do preço do produto, cria este circulo vicioso que denominamos ‘ciclo da miséria tecnológica’, onde no final das contas o mercado não evolui. Mesmo nos países desenvolvidos, o que tem qualidade superior custa mais caro”.

“O leitor precisa saber inicialmente que toda cadeira de rodas para uso diário é obrigatório ter certificação do INMETRO e ser registrada na ANVISA. Outro ponto importante é saber identificar as empresas sérias, com bom histórico no mercado. Se a empresa e a marca tem histórico de idoneidade. Depois identificar qual produto se encaixa nas necessidades individuais dele, se a empresa que está vendendo o produto tem um bom atendimento, se as pessoas são cordiais e tem conhecimento técnico, se oferece assistência técnica e se tem um bom pós venda, e se consegue oferecer todos os componentes de reposição rapidamente”, simplifica Carolina, da Jumper.

“Nós como fabricantes temos que estar sempre atualizados para oferecer o que existe de novo no mercado mundial, investindo em qualidade total, nova linha de produtos, maquinários de ponta e na parte de engenharia de produção, tecnologia, atendimento personalizado, pois entender de cadeiras de rodas é mais que saber projetar, construir e conhecer as dificuldades, superar os limites de ouvir e conhecer os anseios de milhares de PcD e proporcionar mais qualidade de vida e inserção social. É vivenciar isto todos os dias”, declara Wander, da Ortomix.

Na adequação postural, as questões relativas às cadeiras de rodas são ainda mais específicas. “Na adequação postural, temos várias ofertas de produtos de baixo custo, feitos em pequenas oficinas. O leitor e o usuário não têm conhecimento suficiente para saber se o produto que está adquirindo é compatível com a necessidade da pessoa. Como o nosso público alvo é de baixa renda, o valor do produto é fundamental na escolha, o que tem resultado, nesse mercado, particularmente, num aumento imenso de complicações para o usuário, que chamamos de iatrogenia (efeitos adversos): o equipamento comprado – na maior parte das vezes pelo preço e não pela qualidade – provoca mais deformidades e dores,  justamente porque os produtos e o conhecimento utilizados em sua confecção são de baixa qualidade e especificidade. Assim, esse preço ‘barato’ tem um alto custo para a saúde do usuário, causando um transtorno social muito grande para os familiares e ainda mais custos ao sistema público de saúde”, alerta Silvio Morillo, da Expansão.

Novo governo x novas expectativas

No início de 2019 tomaram posse os novos governantes, tanto nas esferas federais quanto nas esferas estaduais. Novo presidente, novos governadores, ministros, secretários… velhos problemas ? Ou novas expectativas de melhora ? O que esperar dos próximos 4 anos ?

“Sempre esperamos melhores caminhos e oportunidades, estamos torcendo para que o novo governo seja sensível e trace uma nova política de reajustes da tabela SUS. É a única forma de ter o melhor produto”, espera confiante Mara Servan, da Jaguaribe.

Pensando da mesma forma, Fernanda de Vargas, da Ortobras ressalta: “esperamos com o novo governo a valorização do produto interno, com melhoria na tabela SUS, para oferecer produtos de maior qualidade com preço compatível a esta”.

“Não vejo um cenário positivo. O que é uma pena, pois as PcD precisam de políticas públicas que as favoreçam. Precisamos de investimento público em saúde e educação, pois só assim teremos desenvolvimento. Precisamos avançar. Nosso país ainda está engatinhando no campo das pesquisas, infelizmente não há incentivo à pesquisa  e a tendência, pelo visto, é diminuir”, lamenta Yalis, da Carone.

            “Acredito que com o novo governo, poderemos ter uma abertura melhor de mercado e talvez um melhor poder aquisitivo à população, devida as promessas de alavancar a nossa economia. As mudanças serão sentidas de médio e longo prazo”, aposta Mariane, da Linha Move.

“Entramos agora somente com pouco mais de 100 dias do novo governo e sabemos que a administração pública é muito complexa, que existem grandes barreiras que estão sendo quebradas e novos projetos estão sendo desenvolvidos. Vivenciamos uma quebra de protocolo pela nossa primeira dama Sra. Michelle Bolsonaro, que claramente está envolvida na ação social e trouxe esperança para inserção da PcD no governo federal, e isto é um grande avanço em nosso segmento”, afirma Wander, da Ortomix.

Apostando nos esforços privados, Júlio Oliveto, da Livre, tem outra linha de pensamento: “não acreditamos que a ação de mudança deva vir do governo, mas sim dos atores de toda a cadeia produtiva do mercado de Tecnologia Assistiva. Devemos buscar a excelência nas atividades que nos propomos a entregar e atuar de maneira transparente com o público que buscamos atingir… não entendo que o governo seja o agente de mudança”.

“Estamos acreditando que sim, que o governo pode ajudar na mudança, inclusive pelo engajamento da primeira dama no que se refere a uma parcela da população, em especial a deficiência auditiva. Com isso acredito que as demais deficiências poderão ser beneficiadas”, defende Ricardo Oliveira, da Ottobock.

Compartilha do mesmo pensamento o diretor da Carci. “Devemos acreditar sempre e desta vez confiando no trabalho que a Primeira Dama, uma vez que demonstrou o seu idealismo, quebrando o protocolo durante a posse do Presidente Bolsonaro e espero que o Estado Brasileiro siga o exemplo do Estado de São Paulo, que criou a Rede Lucy Montoro e interiorizou a reabilitação e a fisioterapia por todo o Estado de São Paulo, oferecendo um atendimento, sem distinção de classe”, exemplifica Orlando de Carvalho.

A opinião dos usuários

Fábio Souza é gestor esportivo e reside na capital paulista. Tem 47 anos e utiliza a atual cadeira desde 2011. Na sua opinião: “é um mercado ainda discreto, com poucas fabricas produzindo produtos de qualidade”. Ele comenta sobre a evolução dos produtos nacionais. “Evoluíram muito, porém, com preços bem altos, sei que a tecnologia custa caro, mas, nossas cadeiras são bem caras levando-se em conta a realidade dos usuários. Precisamos que o material seja de mais fácil acesso e que mais fabricantes entrem no mercado, aumentando a concorrência entre os produtos”.

Para Cid Torquato, que é Secretário Municipal da Pessoa com Deficiência de São Paulo e tetraplégico, “o mercado brasileiro vem evoluindo, mas muito aquém do que deveria. Temos muitas pessoas com deficiência de todos as classes sociais. Nosso comércio de tecnologia assistiva deveria contemplar produtos para todo tipo de consumidor, desde o de baixa renda até aquele com alto poder aquisitivo e condições para comprar produtos mais caros e com maior valor agregado”. Ele diz ainda que: “infelizmente, por falta de políticas específicas, é muito custoso importar cadeiras de rodas, limitando a escolha do consumidor às cadeiras nacionais, que são muito boas e têm preços competitivos, mas não se comparam aos modelos mais equipados disponíveis no exterior… deveríamos facilitar a importação, principalmente quanto aos trâmites com ANVISA, que retardam o processo e desestimulam o comércio internacional”.

Cadeirante desde 1990, Rodolfo Ferrim, de 49 anos, locutor e apresentador de eventos, acredita que: “o mercado Brasileiro tem evoluído muito nesse aspecto de tecnologia assistiva – cadeira de rodas. Acho que o governo deveria ajudar quem fabrica esses equipamentos, pois ainda são bem caros”. Ele diz que existem no mercado brasileiro cadeiras de muita qualidade e que isso só tende a melhorar se os encargos olharem de forma diferenciado esse segmento. “Pessoas com as mesmas necessidades não tem as mesmas oportunidades de ter uma cadeira de rodas de qualidade devido ao alto preço”, comenta Ferrim.

Cearense, oficial de justiça e usuário de uma cadeira de rodas manual dobrável em “X” e outra monobloco, já há 20 anos, Daniel Melo de Cordeiro, de 56 anos,

comenta sobre o mercado brasileiro. “Eu como usuário de cadeira de rodas mecânicas posso dizer que o mercado nacional está passando por um processo de melhoria na qualidade dos seus produtos e que ainda depende da importação de acessórios importantes para montagem delas. Novas tecnologias devem ser aplicadas para se ter cadeiras de maior resistência e mais leves com baixo custo para que não se recorra a importações que elevam tremendamente o preço final para o consumidor. Uma política fiscal que isente de impostos de acessórios, como: pneus, travas etc… Poderia estar minimizando o custo das cadeiras”. Ele ressalta as barreiras tecnológicas que impedem uma maior evolução. “Utilizo cadeira de rodas há 20 anos e a que mais resistiu comigo foi a primeira que comprei de alumínio em 2001 e de lá para cá já foram mais de 6 !.. A qualidade em termos de resistência me parece que diminuiu ?”, diz Cordeiro. “O preço não condiz com a qualidade das cadeiras de rodas, pois tenho tido problemas com vários fabricantes”, afirma. “É necessária novas tecnologias de fabricação nacional para minimizar o preço final e implantar uma política fiscal de incentivo aos importadores”, encerra Daniel.

Toninho Messias é Subsecretário de Acessibilidade e Inclusão no município de Guarulhos/SP. Ele é usuário de cadeira de rodas há 23 anos e nunca utilizou triciclos. Para ele: “a maioria das cadeiras de rodas são de excelente qualidade. O grande problema é o custo. As cadeiras são muito caras, principalmente as importadas. Essas não são acessíveis a população em geral. A sociedade – em sua grande maioria – não tem condições de comprar as cadeiras que estão disponíveis no mercado. Existem cadeiras com custo um pouco mais baixo, mais não considero adequado para uso contínuo, pois algumas são frágeis e pesadas e não são práticas… elas evoluíram muito ao longo dos anos, mas o preço é que prejudica o acesso. Existem cadeiras manuais que custam até mais que algumas motorizadas. Acredito que deveria haver algum incentivo governamental para baratear os produtos de uso essencial para as pessoas com deficiência”, finaliza Messias.

A mineira Kátia Ferraz Ferreira, de 53 anos, que é Coordenadora da Rede Mineira de Tecnologia Assistiva da Secretaria de Estado de Desenvolvimento Econômico, Ciência, Tecnologia e Ensino Superior do Estado de Minas Gerais, teve Síndrome de Guilaim-Barré aos quatro meses de idade. Hoje usa cadeira de rodas, mas já usou tutores e muletas. “Aos 18 anos a cadeira me dava maior segurança na vida diária e deixei as muletas. Uso a cadeira manual mais dentro de casa a maior parte do tempo, em função até da idade, migrei para a cadeira motorizada para trazer mais conforto e agilidade nas minhas atividades”, disse Kátia, afirmando que o mercado brasileiro de cadeira de rodas é bastante promissor.O item cadeira de rodas é uma tecnologia assistiva e tem auxiliado muitas pessoas preservando o desgaste do corpo oferecendo conforto e segurança. Entretanto ainda temos uma questão muito complicada: uma cadeira de rodas simples é de alcance limitado para a maior parte das pessoas. O preço ainda é pesado, os impostos incidindo nestes equipamentos não ajudam, pois incidem ainda dentro da grade de produtos comercializáveis e não de uso essencial. Uma mudança de mentalidade faria o mercado circular em favor tanto das empresas que fabricam quanto do usuário que necessita destes recursos. O problema é que as empresas ligadas aos produtos de tecnologia assistiva lucram muito e exploram o mercado, o que infelizmente é uma questão de cultura do lucro, bastante selvagem”, opina Kátia, reforçando sua opinião: “da mesma forma, existem muitas empresas já bem estruturadas e que dominam o mercado de oferta destes equipamentos e são detentoras das técnicas de recuperação e manutenção que estão restritas em poucas cidades, mesmo os produtos sendo vendidos no Brasil inteiro, principalmente no caso de cadeiras de rodas motorizadas. Os serviços de assistência técnica credenciada e com conhecimento no reparo destes itens não são ampliados, e faz com que aumente o custo de preservação, onde o usuário muitas das vezes descarta sua cadeira pela demora no atendimento de recuperação e algumas destas pessoas adquirem itens de baixa qualidade que ficam danificados rapidamente, e a baixa qualidade faz com que adquira outro priorizando apenas o preço acessível, sem visar qualidade, e mesmo assim, onerando no orçamento pessoal”. Sobre a evolução desses equipamentos ela diz que acha que existe de forma muito tímida. “Muitos produtos que poderiam estar disponíveis no mercado em pleno uso da população ainda são desconhecidos e estão dentro das universidades… elas fazem pesquisas primorosas com previsão de custos acessíveis, inclusive testadas com as próprias pessoas com deficiência, mas o caminho da pesquisa até o mercado não é claro nem para o pesquisador e nem para o empresário que é o potencial investidor dos produtos”.

 

Com a “mão na roda” da Cadeira de Rodas !

            O estado de Goiás é reconhecido por abrigar muitos fabricantes de cadeiras de rodas e uma dessas fábricas já tem mais de 38 anos e é ligada à uma das maiores instituições do estado, a ADFEGO – Associação dos Deficientes Físicos do Estado de Goiás. Estamos falando da “Mão na Roda”, uma marca conhecida dos goianos e ainda desconhecida da maioria dos brasileiros, apesar de quase 4 décadas de existência. A fábrica fica na periferia de Goiânia/GO, local diferente da sede da ADFEGO, onde fica também a loja da Mão na Roda, que tem sede na região central da cidade, no setor Vila Nova. Segundo a presidente da ADFEGO e também responsável pela direção da Mão na Roda, a presidente Maria de Fátima Rodrigues Carvalho (Clara, como é mais conhecida), a fábrica produz 5 modelos diferentes de cadeiras entre manuais, esportivas, de banho e as especiais sob-medida.

            Clara tem 53 anos e é tetraplégica há 24 anos em decorrência de um acidente automobilístico. Ela está no seu 5º mandato à frente da ADFEGO e por consequência também à frente da fábrica de cadeira de rodas. “Estamos trabalhando e nos profissionalizando para produzir em grande escala e atender a todo o território nacional. Em breve estaremos nas revendas de todo o País, com um produto de ainda melhor qualidade e dentro das normas exigidas pela ANVISA e INMETRO. Faz 2 anos que estamos regularizando toda documentação e testagens dos produtos e acredito que ainda antes do final de 2019 já poderemos ter nossas cadeiras em todo o Brasil”, garante Clara com orgulho.

As denúncias ! 

Monica Cavenaghi é vice-presidente da ABRIDEF – Associação Brasileira da Indústria, Comércio e Serviços de Tecnologia Assistiva. Ela nos fala de uma prática predatória: “temos trabalhado para coibir de diversas formas, seja pela informação ao usuário, ou por uma maior fiscalização da ANVISA a ilegalidade de lojistas. Existem em larga escala no Brasil as próprias lojas fazendo o contrabando, que se ajustam com outras pequenas lojas do exterior ou que muitas vezes com o próprios fabricantes. São empresas do exterior que praticamente não fazem absolutamente nada em seu país, mas quando chegam ao Brasil, entendem que precisam trabalhar de forma ilegal para entrar aqui. É lamentável. Essas empresas, então contrabandeiam, fazendo de duas formas diferentes: uma das formas é de se acertarem diretamente com o cliente, para que vá buscar nos EUA ou na Europa a cadeira desejada – principalmente no caso de motorizadas. Ou então, os lojistas oferecem sua própria equipe para viajar aos EUA ou Europa, e esses funcionários, parceiros, colaboradores ou cúmplices – como queiram – voltam sentados nestas cadeiras escolhidas no Brasil pelos clientes. Vão numa cadeira simples, às vezes se passando por uma pessoa com deficiência… compram lá no exterior a cadeira dos sonhos do usuário brasileiro que os contratou, sentam nela e voltam na viagem como se eles fossem os usuários e aquela cadeira comprada lá fora fosse de uso pessoal, importando-a assim, de forma ilegal para o Brasil. Isso atrapalha as atividades das empresas que trabalham dentro dos trâmites legais. O consumidor precisa entender que comprando produtos dessa forma, pode ficar desatendido do dia para a noite. Essas cadeiras não possuem manutenção e nem peças de reposição no Brasil, fora o risco de serem autuados como cúmplices ou mandantes de contrabando.

Outra informação que precisa ser avaliada pelo SUS – Sistema Único de Saúde é quanto ao modelo de distribuição de cadeira de rodas. “Elas são distribuídas pelos Centros de Reabilitação”, conta. Muitas vezes esses usuários, moram em uma cidade e fazem seus tratamentos de reabilitação em outros municípios, distantes de suas residências. “Vou dar como exemplo a Rede Lucy Montoro, em São Paulo/SP. Recebe pessoas de várias cidades diferentes. É normal as pessoas se deslocarem para fazer seus processos de reabilitação. Essa pessoa recebe uma cadeira de rodas doada pelo SUS enquanto está em atendimento, no caso da Rede Lucy Montoro, na Capital Paulista. Mas depois essa pessoa tem alta, e volta para o interior com a cadeira de rodas que recebeu do SUS. Em alguns meses essa cadeira de rodas apresenta algum problema. Aonde essa pessoa vai levar a cadeira para ser consertada ? Acaba ficando impossibilitada de usar o produto. Muitas vezes essa pessoa não tem clareza que é seu direito receber essa cadeira, porque é um cidadão brasileiro que tem direito a esse produto. Essas cadeiras fornecidas pelo SUS não são um presente. É sim um direito do cidadão brasileiro com deficiência”, afirma a vice-presidente. “Esse modelo de distribuição não está completamente errado, mas é insuficiente para uma boa distribuição de cadeiras de rodas no Brasil. Existem outros formatos mais assertivos. Precisamos de uma revisão na dispensação de Tecnologia Assistiva no geral”, afirma Monica Cavenaghi.

Raphaela Pimentel Athayde, superintendente adjunta do IBDD  – Instituto Brasileiro dos Direitos da Pessoa Com Deficiência traz uma nova dificuldade bastante preocupante. “Até a uns 2 anos, conseguíamos antecipação de tutela de cadeiras. Num prazo de dois a três meses a PcD já estava com sua cadeira de rodas e demais equipamentos necessários. Agora com um novo entendimento do STJ – Superior Tribunal de Justiça e Súmula do STF – Supremo Tribunal Federal, não somente cadeira de rodas, mas medicamentos também, as ações de obrigação de fazer estão sendo muito difíceis. Há uma normativa que o usuário tem que dizer de onde vem o recurso para atender ao pedido. Fica muito difícil. Existe uma dificuldade muito maior para as PcD obterem tanto as cadeiras manuais como as motorizada”. As demandas judiciais patrocinadas pelo IBDD em 2018 tiveram um aumento de 37 % em comparação ao ano anterior, conta a Raphaela.

Para que um advogado ajuíze um processo judicial, reivindicando uma cadeira de rodas para a PcD é necessário um laudo, emitido por um médico, especificando qual o modelo mais específico para o requerente. Um entrevistado pela Revista REAÇÃO, que prefere não se identificar, aponta que: “estamos com reduções de cirurgias, medicamentos, procedimentos, atendimentos, órteses, cadeiras de rodas, andadores, próteses, produtos assistivos, alimentação parenteral, equipamentos para necessidades respiratórias, sondas etc. Foram feitos cortes de profissionais em diversos graus tanto nos hospitais, como nos centros de reabilitação. As escolas deixaram de receber as verbas para a viabilização da acessibilidade, os alunos com deficiências deixaram de receber os recursos assistivos necessários para o seu desempenho escolar. Os terapeutas desse processo de inclusão foram demitidos”, denuncia o leitor. A mesma denúncia é feita pelo Deputado Federal Danilo Cabral (PSB-PE),

presidente da Frente Parlamentar em Defesa do Sistema Único da Assistência Social. “Desde o governo do ex-presidente Michel Temer, temos acompanhado o desmonte sistemático das políticas sociais, especialmente da área de assistência social, impactando em todos os programas da área. Neste momento, lutamos para a recomposição de R$ 2,3 bilhões no orçamento do Sistema Único de Assistência Social (SUAS). Sem esses recursos, estamos sob o risco de vermos parar de funcionar, por exemplo, os Centros de Referência da Assistência Social (CRAS). Nossa luta, na Frente Parlamentar em Defesa do SUAS, é para assegurar esses recursos”.

Preferindo também não se identificar, outro entrevistado nesta matéria pela REAÇÃO faz um grave alerta. “Estamos vivendo um desmonte das políticas e dos recursos para as pessoas com deficiências, sendo que voltamos aos dias que essas pessoas recebem menos recursos e, quando recebem, por conta dos valores, recebem recursos inadequados e obsoletos, complicando ainda mais a saúde física e emocional dessa pessoa e toda a sua família. Os fabricantes de Tecnologia Assistiva, assim como os comerciantes dos produtos assistivos, estão todos em grave situação econômica. Muitos estão assoberbados de empréstimos bancários, e correm o risco de falência. Todo o setor está em alerta máxima. E não há clientes. O governo, sendo o principal cliente, não oferta a concessão de recursos. Não repassa verba para as prefeituras e para as instituições conveniadas. O setor está entrando em grave colapso. Estamos em retrocesso nunca visto no atendimento às necessidades das pessoas com deficiência”.

 

NOTA DO EDITOR

            Já deve ter dado para todos notarmos que este assunto – cadeiras de rodas: manuais, motorizadas e triciclos – é muito complexo e envolve detalhes demais, impossíveis de serem tratados todos de forma aprofundada em apenas uma matéria de revista, por maior que o espaço dado pela publicação possa ser. Mas o que deu para notarmos nessa nossa primeira tentativa é que todos foram unanimes em alguns pontos, como: os preços ainda são altos; a incidência dos impostos é que fazem com que o produto encareça na ponta; as exigências dos órgãos reguladores como ANVISA e INMETRO, assim como sua burocracia, encarecem os produtos e inviabilizam novos projetos e o custo desse tempo e dessas exigências burocráticas – algumas necessárias sim, no que diz respeito à segurança – acabam por encarecer os produtos no final; a qualidade dos produtos ainda é aquém do que se poderia ser; os importados são bem melhores que os nacionais, mas fora do alcance da maioria; faltam subsídios e fomento do governo para incentivar o produtor nacional, a pesquisa e novos desenvolvimentos; faltam linhas de crédito para a indústria.

            Tudo isso junto faz com que o nosso mercado de cadeiras de rodas, apesar de já ter melhorado demais se comparado há 10, 15, 20 anos… ainda está engatinhando perto do que se oferece e, principalmente, de como se oferece esses produtos em outros países da Europa e EUA. Da forma como se atua no Brasil, sofre o fabricante – que fica de mãos atadas pela burocracia e o custo Brasil – sem falar na invasão de produtos e equipamentos vindos da China com qualidade duvidosa, porém com preços imbatíveis; sofrem os revendedores e as lojas – que ficam com um mix reduzido de produtos e possibilidades para oferecer aos clientes e tudo com preços altos e margens curtas para se trabalhar, uma vez que os impostos são cascateados – e isso faz com que, para terem mais margem, optem por oferecer produtos chineses aos clientes que na maioria das vezes procuram por preço e não por qualidade; mas sofre principalmente o usuário, o consumidor com deficiência, que fica sem muitas opções de produtos para escolher e atender suas reais necessidades, paga caro demais pelo que existe disponível – e nem todos tem condições e então acabam caindo na opção mais barata e que vai deixa-lo certamente na mão no futuro próximo – quando recebem do SUS são produtos e equipamentos obsoletos e de qualidade baixa, e sofrem muito, mas muito mesmo, com o pós-venda e assistência técnica falha e em muitos casos, inexistente.

Notaram ? Perceberam o beco em que nos encontramos, ainda ? Mesmo com um cenário bem melhor do que há alguns anos, o Brasil ainda tem muito o que aprender com os países mais desenvolvidos e precisa, urgentemente, dar mais condições de pesquisa, desenvolvimento e de trabalho para a indústria nacional, para que ela possa competir de igual pra igual ou pelo menos sobreviver e continuar gerando empregos e opções aos usuários. Precisamos também barrar um pouco nossa burocracia, permitindo que os nossos produtores e comerciantes trabalhem melhor, mas também que as empresas e produtos de qualidade importados consigam trabalhar no Brasil de forma legalizada, recolhendo impostos como todos os brasileiros, e principalmente, que nossa legislação não induza o consumidor ao erro e a práticas ilegais para obter um produto importado de qualidade. Precisamos dar mais atenção à assistência técnica do que é vendido por aqui aos nossos usuários com deficiência e cumprir o “código de defesa do consumidor”. Temos que exigir que a LBI seja cumprida e regulamentada urgentemente ! Mas também, precisamos nós, consumidores, mudar nossa forma de pensar e agir. Como diz o ditado: “o barato sai caro”! E quando o assunto é SUA saúde, por favor, optar somente pelo preço em detrimento da qualidade e das especificações necessárias é um “tiro no pé” ! É você prejudicando ainda mais a você mesmo ! Não se “leva vantagem” nenhuma pensando e comprando somente pelo preço.

O Brasil precisa mudar, de ponta a ponta, do fabricante ao consumidor. Perdemos muitos anos, décadas pensando e agindo com “assistencialismo” e deixando o profissionalismo de lado. Isso precisa mudar ! Já está mudando. Hoje temos armas para cobrar – como a LBI, por exemplo – temos quem tenta fazer mudar junto ao governo – como a ABRIDEF, por exemplo – quem sabe então, conseguiremos num futuro próximo, talvez, mudar o sistema de dispensação de produtos pelos governos, mexer e atualizar a tabela SUS, desburocratizar o sistema ANVISA/INMETRO (tão necessários para manter a qualidade dos produtos), mas principalmente, precisamos que o CONSUMIDOR com deficiência APRENDA a comprar, a respeitar a prescrição médica, a exigir os seus direitos como cidadão. Cadeiras de rodas – manuais, motorizadas ou triciclos – são coisa séria, não só um acessório ou um equipamento, são Tecnologia Assistiva para uma melhor qualidade de vida do ser humano !

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