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Autismo e sua essência de amor: quando tudo se encaixa !

Por: hallak

ESPECIAL

Abril é o mês que se comemora o Dia do Autismo, que atinge aproximadamente 2 milhões de brasileiros

“O filho autista te traz uma coisa… que te faz começar a ver o mundo de outra forma, o Pedro me ensinou que eu talvez nunca escute – ele me chamar de pai – mas ele me ensinou mais que isso, ele me ensinou que eu não preciso escutar ‘pai’, ele fala ‘pai’ em vários momentos… é isso, o autista é assim, falam que eles não gostam de se comunicar, que eles não vieram nesse mundo para se comunicar, mas eu falo que os autistas vêm com uma outra forma de demonstrar sentimentos e de demonstrar a comunicação também… eles se comunicam de uma outra forma menos verbal, menos presencial, mas em pequenos gestos”, declara Bruno Piccinato, pai do Pedro e um dos milhões de pais de autistas que lutam para que o transtorno tenha mais e melhores informações chegando a toda a sociedade.

Hoje no Brasil, o autismo atinge cerca de 2 milhões de pessoas e apesar de ter se tornado conhecida nos últimos anos, ainda traz muitas dúvidas tanto para quem descobre o autismo na família, quanto para quem quer apenas se manter informado sobre o assunto. O dia 2 de abril foi sancionado pela Organização Mundial da Saúde junto com outras organizações, como a data de conscientização sobre o Autismo no mundo, sendo estendida por todo o mês de abril.

De acordo com o psiquiatra e especialista no tratamento da pessoa com autismo, Dr. Leonardo Maranhão: “o autismo é um distúrbio do desenvolvimento que ocorre na primeira infância. Ainda não se conhece uma causa específica, mas os estudos tentam encontrar respostas principalmente no cérebro e na forma como ocorrem as sinapses entre os neurônios, além da questão da hereditariedade. Ele é caracterizado pelo comprometimento da interação social, comunicação verbal e não-verbal e comportamento restrito e repetitivo. A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que 2 milhões de brasileiros possuam o Transtorno do Espectro Autista (TEA), e sua incidência é maior para o sexo masculino: para cada 4 meninos identificados como autistas, somente uma menina é diagnosticada”, explica o especialista.

A definição do TEA – Transtorno do Espectro Autista está em constante atualização pela OMS, isso porque é ainda considerada uma síndrome muito ampla: “a cada revisão feita pela OMS, a classificação sobre o autismo muda um pouco. Consideram-se basicamente 3 características: deficiência na comunicação verbal e não verbal, dificuldade ou impossibilidade de inserção social e o apego total à rotina, que se caracteriza por um interesse repetitivo e muito restrito a um assunto”, relata Ana Maria Mello, diretora da AMA – Associação de Amigos do Autista, de São Paulo/SP, primeira entidade fundada no Brasil para acolher e proporcionar terapias aos autistas do País. A maioria das pessoas que sofrem com o TEA também não possuem boa coordenação motora. A AMA foi fundada em agosto de 1983, quando o TEA ainda nem era classificado como doença pela OMS. A diretora Ana Maria Mello participou da fundação da AMA paulistana. Ela é engenheira naval e tem um filho autista.

 

Diagnóstico

 

O autismo foi descoberto em 1943 por dois médicos austríacos que, curiosamente, não se conheciam. Na época, o mundo atravessava a II Guerra Mundial. O médico Leo Kanner, austríaco que vivia nos Estados Unidos e trabalhava no Johns Hopkins Hospital, em Baltimore, publicou um artigo sobre a doença em uma revista médica. No mesmo ano, o médico Hans Asperger, que vivia em Viena, publicou um estudo médico que fez com 400 crianças na Áustria.  Por isto, a maneira mais leve de autismo também é chamada de Síndrome de Asperger.

Segundo a psicóloga Dra. Luciana Andréa Inocêncio, é importante ressaltar que o diagnóstico de autismo passa por um grupo de profissionais, mas é fechado sempre por um psiquiatra: “é importante que comece muito cedo, então ao perceber que a criança não busca o olho no olho, tem dificuldade de reconhecer a voz dos familiares, pedir o que deseja e, principalmente, não falar, é importante começar imediatamente a procurar um profissional. Na realidade hoje se consegue diagnosticar mais fácil, normalmente esse diagnostico é feito a priori com uma investigação com o pediatra que nota junto aos pais, que tem alguma coisinha naquela criança e começam a encaminhar essa criança. Normalmente, se encaminha para um neurologista infantil, depois passa a um psiquiatra, é importante também ressaltar, que se faz uma bateria de exames, mas quem fecha esse diagnóstico é o psiquiatra”, afirma.

 

Tratamento e acompanhamento

De acordo com especialistas não existe apenas um tratamento para o Autismo, uma vez que o transtorno apresenta mais de um grau e varia de pessoa para pessoa. Em alguns casos é feito acompanhamento com remédios específicos para ansiedade, por exemplo. No entanto, o que é referenciado como principal via de auxílio para a pessoa autista é o tratamento multidisciplinar, que engloba diversos tipos de acompanhamentos com profissionais de diferentes áreas, como: psiquiatra, neurologista, fonoaudiólogo, psicólogo, terapeuta ocupacional, entre outros.

“O autismo ainda não tem cura. As causas do autismo também ainda são muito pesquisadas, mas é importante deixar claro que o autismo é super possível de tratamento. A pessoa autista pode ter uma qualidade de vida muito legal e é importante que as famílias de autistas também tenham auxílio e apoio. Hoje, o autismo é considerado deficiência e a pessoa autista tem muitos direitos, e é importante que eles busquem esses direitos”, finaliza a Dra. Luciana.

Em São Paulo, é obrigação do governo estadual pagar pelo tratamento da pessoa autista desde 2011.

 

Diagnóstico Tardio

 

A escritora e palestrante Michelle Malab, de Belo Horizonte/MG, descobriu que sofria de autismo anos depois do nascimento do filho, Pedro – atualmente, com 15 anos. Michelle e Pedro sofrem da Síndrome de Asperger. Michelle só foi diagnostica com Asperger em 2014. Ela escreveu um livro sobre sua experiência da maternidade e o autismo – que já está na terceira edição – chamado: “Na Montanha-Russa – Minha Maternidade no Autismo”. Ela prepara agora o segundo livro, que deve ser lançado em agosto de 2018, contando a história da infância e adolescência da sua vida, quando sofria de Asperger e não sabia – situação muito comum nas décadas de 1980 e 1990. “Entre os autistas diagnosticados na idade adulta, a maioria só obtém o diagnóstico após o nascimento do primeiro filho. Isto é muito ruim, porque a pessoa tem, na prática, prejuízos funcionais durante a adolescência e parte da vida adulta. Sofre bullying na escola, pode não conseguir terminar o ensino médio e a faculdade, não conseguir manter os empregos, sofrer com relacionamentos amorosos rompidos”, comenta. Segundo Michelle, isso é mais comum acontecer com quem tem a Síndrome de Asperger. Pelo fato de o autismo ser o mais leve, a pessoa não enfrenta limitações na fala, ao mesmo tempo em que pode, devido ao foco exagerado que o autista tem por um assunto durante certo tempo, desenvolver habilidades especiais em um campo específico: música, literatura, matemática, por exemplo. Nasce daí o mito do “autista gênio”, quando na realidade quem sofre de Asperger não tem nenhuma vantagem na vida prática, “existe muita confusão na comunidade autista. A televisão só mostra o autista leve, aquele que fala, escreve, toca um instrumento musical.  E isto não reflete muitas vezes a realidade. O autismo vai do severo ao leve. O que vai definir o autismo em uma pessoa é o grau de ajuda externa que ela precisa e precisará para levar a sua vida. Existem autistas que precisarão de ajuda externa a vida inteira, até para ir ao banheiro e sair de casa”, conta Michelle.

Vida Produtiva

Muitos autistas conseguem, ao custo de um esforço pessoal e familiar considerável, estudar e mais tarde se inserir no mercado de trabalho. Jefferson Santana Oliveira, de 31 anos, é um exemplo. Diagnosticado com autismo, o jovem entrou na AMA de Parelheiros – zona sul da capital paulista – em 1993, onde aprendeu a ler e a escrever. Em 1996, Jefferson foi para a unidade no Cambuci, onde prosseguiu os estudos e a terapia. Ele cursou o ensino médio no Colégio São Luís do Maranhão, na Zona Leste da capital, onde concluiu os estudos em 2006. Gosta de natação, que praticou no Corinthians – clube do seu time de futebol – de rock, dos Beatles ao The Smiths e gosta também de jogar videogames: “eu trabalho na gráfica da AMA há 7 anos. Adoro o meu trabalho”, diz Jefferson, que mora com a mãe no Jardim São Savério, na zona sul, perto do Jardim Zoológico.

Um amor maior que o mundo

 

A falta de informação e as questões sobre a aceitação da pessoa autista, principalmente, por conta dessa desinformação fez com que a redação da Revista Reação procurasse por quem passa por isso e pode falar com clareza o que é o autismo. E depois de muitas pesquisas e conversas, é bem fácil de entender que o autismo, pode ser também, puro amor !

Confira o depoimento de um pai com toda sua breve história no mundo do Transtorno do Espectro Autista e todo amor que transborda suas palavras:

“O Pedro sempre teve uma evolução normal e a gente comparava muito, porque ele nasceu no mesmo dia que o primo dele, então, um começou a engatinhar o outro começou a engatinhar, um começou a andar o outro começou a andar, às vezes era o primo, outras vezes era o Pedro, mas sempre no mesmo passo. Aí o Gustavo, que é o primo dele, começou a falar, algumas palavrinhas ali por volta de um ano e pouco e o Pedro balbuciava alguma coisa, tipo “tchau-tchau”, quase conseguiu falar “carro” e teve um período ali entre um ano e quatro meses… um ano e seis meses, que ele deu uma retraída, ele parou de soltar essas palavrinhas e começou a evitar o contato social, querer brincar mais sozinho, ficar mais tempo no quarto, pegar miudezas, canetas, essas coisas e ficar muito tempo naquilo e aí você chamar e ele não responder, um isolamento mesmo… e aquilo começou a me preocupar. Ele estava no berçário, a gente foi até lá e falaram para a gente ficar tranquilos, que era normal, que cada criança tem seu tempo, mas quem é pai e mãe e está vendo ali… eu sentia que tinha algo diferente e aí foi quando a gente começou a procurar o que estava acontecendo. Foi um período assim: procuramos uma fono, depois outra… procuramos uma terapeuta ocupacional e ela indicou um psiquiatra especialista nisso e foi ele quem abriu a verdade para a gente: falou que não podia dar um diagnóstico fechado com a idade que ele tinha, ali entre um ano e oito, um ano e nove meses, mas que o Pedro apresentava traços do espectro. Ele explicou para a gente o que caracteriza um autista, a dificuldade de se comunicar, alguns a questão do tato e o Pedro não tem isso, o Pedro o que pegou mesmo foi a questão da comunicação.

É uma terra meio desconhecida, primeiro a parte da aceitação, é um baque… tudo na vida você idealiza, desde a casa que você vai comprar, o carro que você vai comprar, o filho que você vai ter idealiza muito mais. Então você idealiza toda aquela coisinha perfeita, vai ser assim, vai fazer isso, vai fazer aquilo e, quando alguma coisa no meio do percurso sai do esperado é um ‘choquezinho’, você tem que aprender, é um mundo novo, você vai ter que se informar, vai ter que abrir os horizontes e outra coisa, quando você tem filhos, tudo é imprevisto, você não sabe o que vai acontecer, mas meio que você prevê; ‘ah ele vai estudar, ele vai fazer faculdade, ele vai se formar, ele vai trabalhar, ele vai casar…’ e quando alguma coisa mexe nisso que você não consegue pensar como vai ser o futuro e passa a ter que pensar um dia de cada vez, isso é muito difícil no começo, porque você pensa: “e agora ? Como é que vai ser amanhã ? Como vai ser daqui 5 anos ? Como é que vai ser quando ele tiver 10, 12 anos ?”, então, nesse momento é muito difícil.

No final das contas é um baque, mas cara, o Pedro está aí e aí é o que eu posso proporcionar para ele… sabe, eu quero fazer o máximo que eu posso para ele ser o máximo independente e isso não é por mim, é por ele. Então eu vou lutar sempre para dar o melhor de condições para que ele tenha uma vida o mais normal que ele puder ter.

Para quem não aceita ou tem dificuldade em aceitar, essas pessoas têm que parar e colocar um pouquinho a mão na consciência e pensar no que eles estão fazendo para os seus filhos, se aceitar ou não aceitar para você, sim, vai te fazer mal, mas isso não faz tanta diferença. É pelo seu filho, porque o filho é o bem maior, nada é mais importante que o Pedro na minha vida… antes eu tinha coisas muito importantes na minha vida, eu brinco com a minha mãe que antes ela era o amor da minha vida, agora ela tá em segundo lugar fácil.

Todas as pessoas são especiais ao seu modo, um é diferente do outro, então se você está vendo alguma coisa diferente no seu filho, tente procurar saber o que é porque você estará fazendo um bem para ele. Tira essa coisa do que as pessoas vão pensar ou o que as pessoas vão achar, elas vão achar de qualquer forma, você assumindo isso ou não, você indo tratar ou não, quando uma criança chega a cinco, seis, 10 anos… e ela não tem um desenvolvimento normal, todo mundo vai perceber, então não adianta você fingir que nada está acontecendo, porque você está prejudicando o seu filho.

Agora para pais em geral que tem filho autista, eu tenho vontade de abraçar um por um, porque é uma missão de cada um, acho que só quem tem filho sabe o quanto é especial tê-los… e só quem tem filho autista sabe a doidera, a dificuldade e o prazer que é. Por exemplo, às vezes pequenas coisas que você escuta e fica pensando, às vezes amigos meus falam: “ah se eu ganhasse um real por cada pai que eu escuto…”, lógico que isso é brincando, mas uma vez eu peguei um mega amigo e falei: “cara, dê valor para cada pai que ele fala”, porque de certa forma eu durante muito tempo esperei isso.

O filho autista te traz uma coisa que te faz começar a ver o mundo de outra forma, o Pedro me ensinou que eu talvez nunca escute, mas ele me ensinou mais que isso, ele me ensinou que eu não preciso escutar pai, ele fala pai em vários momentos, é isso, o autista é assim. Falam que eles não gostam de se comunicar, que eles não vieram nesse mundo para se comunicar, mas eu falo que os autistas vem com uma outra forma de demonstrar sentimentos e de demonstrar a comunicação também, eles se comunicam de uma outra forma, menos verbal, menos presencial… em pequenos gestos. Então não tenham medo de procurar, de falar “meu filho é autista”… não tem problema nenhum, é melhor, porque as pessoas vão querer saber o que é o autismo e aí você tem a oportunidade de explicar para alguém. Se você não fala, vira uma coisa que a pessoa está achando e fica naquilo e não vai para frente, gera um incomodo. Então vamos falar sobre o assunto dentro de casa, vamos falar sobre o assunto com os nossos amigos, vamos falar sobre o assunto com a família… não tem porque esconder, isso ajuda eles, nossos filhos !”. Bruno Piccinato repórter esportivo da TV Record e, principalmente, é pai do Pedro.

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