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E que ninguém venha me dizer que é só uma cadeira

Por: admin

Há alguns anos ganhei minha primeira cadeira motorizada. Me lembro a primeira vez que olhei pra ela, era roxa. Lembro-me de quando sentei e tive medo de ligar, de andar na velocidade mínima, que para mim, parecia que estava a 200 Km/h. Comecei andando dentro de casa e aos pouquinhos comecei a sair na rua, quando me dei conta estava dividindo espaço com carros, motos, caminhões, perto e bem longe de casa. Entendi que ela seria a extensão do meu corpo todo. Passei a ir apenas onde ela coubesse.

Ganhei liberdade, mesmo que o tempo fosse determinado pelo fim da bateria ou pelo degrau intransponível. Me senti independente, autônoma, dona do meu nariz. Nela amei, briguei, sorri e chorei, vi um mundo às vezes monocromático, outras vezes multicolorido. Foi nela que me tornei professora, fiz meu mestrado e grande parte do meu doutorado. Foi nela que quebrei a tíbia e que dancei pela primeira vez. Nela, minhas filhas de 4 patas aprenderam a passear.

Sentada nela aprendi a sentir prazer em pequenas coisas, como o vento na cara, a chuva caindo, o frio quase congelante, o sol escaldante. Meu olhar ficou mais atento, mais micro e menos macro.

Juntas envelhecemos e começamos a sentir que o tempo é implacável, começamos a falhar e por mais que eu tenha cuidado dela, foi inevitável um conserto aqui, uma remendada ali, o parafuso que caiu, o pneu que teve que trocar, o óleo que começou a vazar, o motor que queimou, mas deu para arrumar, assim como a bateria que tive que trocar. Um barulho constante já dava sinais do enorme cansaço. Posterguei o quanto pude, cuidei mais um pouquinho, mas infelizmente chegou a hora de deixá-la descansar.

Chegou uma nova cadeira, potente, vibrante, com amortecedores, motores, baterias pulsantes, dessa vez preta fosca, que eu sei, me levará para mais longe e me dará mais conforto, novas experiências e vivências, mas as minhas lembranças mais tocantes e importantes foram vividas na outra, na minha cadeira roxa.


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