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Entrevista – Naum Mesquita

Por: a redação

O Coordenador Geral de Promoção dos Direitos da Pessoa com Deficiência da Secretaria Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência – Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos fala de suas metas e objetivos

José Naum de Mesquita Chagas tem 41 anos, é natural da pequena cidade de Saúde/BA, região de Jacobina. Graduado em Terapia Ocupacional pela Universidade de Fortaleza/CE, ele é Mestre em Saúde Pública pela Universidade Estadual do Ceará, tendo também cursado Mestrado Profissional em Saúde Mental na mesma instituição, além de diversos cursos na área de pessoa com deficiência e tecnologia assistiva. Membro de uma grande família e que entre seus membros há também pessoas com deficiências, tanto congênitas como adquiridas, ele sempre aprendeu a encarar tudo isso não como tabu, mas apenas mais como uma característica em cada pessoa.

Em entrevista exclusiva ao Sistema Reação – Revista Reação, Naum conta mais de sua vida, metas, projetos e objetivos em Brasília/DF. Acompanhe:

Revista Reação – Quais cargos e funções já ocupou antes de assumir esse cargo no Governo Federal ?

Naum Mesquita – Antes da Secretaria Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência – SNDPD – já desenvolvi muitas atividades de gestão, participando de momentos muito emblemáticos da política pública nacional para pessoas com deficiência com diferentes funções. Já fui Conselheiro Nacional de Saúde por duas gestões representando Trabalhadores da Saúde enquanto Terapeuta Ocupacional; Consultor junto ao Ministério da Saúde na área técnica de Saúde da Pessoa com Deficiência, vivenciando a implantação da Rede de Cuidados a Pessoa com Deficiência e do Plano Viver sem Limite; já como servidor, atuei na equipe de gestão nacional do Serviço de Reabilitação Profissional do INSS e em penúltimo, das necessidades dos servidores públicos com deficiência no Serviço de Saúde e Qualidade de Vida no Trabalho do INSS para as regiões Norte e Centro Oeste do país. Parte da minha história se alinha com o aprendizado adquirido na defesa dos direito dos usuários dos serviços de Terapia Ocupacional por meio da Associação Brasileira dos Terapeutas Ocupacionais – ABRATO, a qual fui Presidente por duas gestões e também representante do Brasil na Federação Mundial dos Terapeutas Ocupacionais – WFOT, permitindo participar de grupos de trabalho internacionais bastante relevantes junto a ONU – Organização das Nações Unidas e outros organismos, Conferências Mundiais e colaboração na formatação de políticas públicas em outros países. Na SNDPD, ingressei como Coordenador de Tecnologia Assistiva de agosto/2019 a janeiro/2020, transitando para Coordenador Geral de Promoção dos Direitos da Pessoa com Deficiência em fevereiro/2020 até o presente momento.

RR – Desde quando percebeu atenção especial à causa da Pessoa com Deficiência ?

NM – Desde a graduação, pois a formação do Terapeuta Ocupacional é altamente voltada ao atendimento das necessidades das pessoas com deficiência, seja no aspecto da promoção do direito, seja na assistência para melhoria de sua autonomia, independência e qualidade de vida nas diversas faixas etárias, contextos sociais, econômicos, processo educacional, inserção no mundo do trabalho e diferentes políticas públicas, além da ênfase que temos na avaliação e prescrição de tecnologia assistiva.

RR – Como Terapeuta Ocupacional, pode citar experiências com Pessoas com Deficiência ?

NM – Tive a grata satisfação de transitar em diversos contextos de assistência tanto na habilitação e reabilitação clínicas, com uma grande variedade de pessoas com deficiência intelectual, física, auditiva, visual, assim como pessoas com transtornos mentais. Grande parte ocorreu em diferentes serviços no estado do Ceará, onde pratiquei muitos anos, outra parte também importante ocorreu no estado de Pernambuco, onde além da clínica fui docente junto a Universidade Católica de Pernambuco, prática que também desenvolvi por um tempo como professor substituto na Universidade de Brasília após mudar para o DF. Em resumo, seja na assistência, na pesquisa durante os dois mestrados ou da docência auxiliando novos profissionais a aplicar os conhecimentos teóricos com campos de prática e reconhecer as necessidades reais da população, nunca estive afastado do diálogo com pessoas com deficiência.

RR – Também esteve no INSS ? Acha que o órgão está preparado para o atendimento do público PcD ?

NM – Sou servidor de carreira do INSS, tendo adentrado em junho de 2014 como Analista do Seguro Social Terapeuta Ocupacional. Lá atuei na equipe de gestão do Serviço de Reabilitação Profissional a nível nacional, um serviço, que a meu ver, ainda é desconhecido da sociedade e que deveria ser altamente utilizado, como direito, pelas pessoas com deficiência. Contudo, precisa de reformas e está sendo repensado pelo Governo Federal, visto que, enquanto países de primeiro mundo usam desse serviço para incluir ou maximizar a permanência das pessoas com deficiência no mundo do trabalho, o Brasil encaminha apenas 2 % do total de benefícios por incapacidade para a reabilitação, um equívoco na priorização dessa política pública. Também vivenciei o Serviço de Saúde e Qualidade de Vida no Trabalho na Superintendência do INSS Norte e Centro Oeste, onde compreendi necessidades e particularidades do servidor público com deficiência ou do servidor em afastamento por motivos de saúde que precisa de acompanhamento. A concessão de tecnologia assistiva para os servidores exercerem o direito a acessibilidade nos postos de trabalho é um desafio, ainda não sendo igualitária a nível nacional.

RR – Qual foi sua reação ao receber o convite para integrar esse cargo no Governo Federal ?

NM – Fiquei imensamente feliz ao receber a ligação, pois foram quase quatro meses de espera após candidatura feita no portal do Ministério do Planejamento (hoje Ministério da Economia) a vaga aberta pela Secretaria Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência. Primeiro, feliz por demonstrar que existem oportunidades reais por qualificação no Governo Federal, segundo por ter sido avaliado positivamente para ocupar um cargo que em minha leitura é extremamente importante na garantia de direitos para as pessoas com deficiência.

RR – Quais eram suas metas ao assumir a função ?

NM – Eu entrei com aquele desejo de ajudar ao máximo a regulamentação do setor de tecnologia assistiva, modernizando-o, dialogando internamente e também internacionalmente. Normalmente é esperado que esse desejo esmaeça, enfraqueça com dificuldades e diminuamos o ritmo, mas isso não ocorreu. A equipe de trabalho da Secretaria Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência é incrível, mantendo até hoje essa chama acesa e todos motivados a fazer acima do esperado para conquistarmos nossas metas. Ainda mantemos como prioridades a regulamentação da Avaliação Única da Pessoa com Deficiência, o Cadastro Inclusão, a regulamentação da Tecnologia Assistiva por meio do Comitê Interministerial de Tecnologia Assistiva – CITA, principalmente o Art. 75 e outras importantes regulamentações da Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência – LBI.

RR – Já considera que metas foram cumpridas ? Quais ?

NM – Sim, entregas importantes foram feitas. Uma delas, a “validação do Índice de Funcionalidade Brasileiro Modificado – IFBr-M”, em outubro de 2019. Foi um marco histórico para a pessoa com deficiência no Brasil e no mundo, visto que todos os países que aderiram à Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo tem o desafio da mudança de paradigma para o biopsicossocial e implementação de instrumentos pautados na funcionalidade das pessoas. Agora o próximo passo será a regulamentação pelo Governo Federal, por meio de um Grupo de Trabalho Interministerial com as pastas envolvidas, que implementará essa Avaliação Única. No campo da Tecnologia Assistiva, houve a retomada e instituição do CITA. Também já temos propostas em tratativas para regulamentação do Art. 75 da LBI, que deve trazer benefícios a todas as pessoas com deficiência que necessitam de alguma tecnologia assistiva, além de incentivos ao setor produtivo nacional. Além disso entregamos o primeiro canal de ouvidoria nacional por Libras que se tem conhecimento, ampliando a acessibilidade para denúncia a todas as pessoas independente de sua forma de comunicação. A acessibilidade em nossas cidades sempre foi um desafio a todas as famílias e as pessoas com deficiência. No intuito de auxiliar os municípios a solucionar as barreiras, lançamos na Escola Nacional de Administração Pública – ENAP um Curso gratuito em Acessibilidade em espaços de uso público no Brasil (https://www.escolavirtual.gov.br/curso/275). No contexto da Pandemia diversas entregas foram feitas, para sintetizar posso evidenciar um foco importantíssimo da produção de informação acessível a todas as pessoas com deficiência de modo a promover o devido esclarecimento, proteção e enfrentamento das consequências da pandemia e do afastamento social.

RR – Quais suas prioridades na promoção dos Direitos da Pessoa com Deficiência ?

NM – A regulamentação da Avaliação Única da Pessoa com Deficiência, prevista no Art. 2º da Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência – LBI. Esse novo modelo de avaliação, junto com o Cadastro Inclusão (Art. 92 da LBI), serão revolucionárias para todas as políticas públicas no Brasil e trarão benefícios a todas as pessoas com deficiência, sem distinção. Por isso essas ações estruturantes foram aglutinadas dentro do Plano Brasil Inclusão lançado pelo Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos. Há também foco especial à regulamentação do Plano Nacional de Tecnologia Assistiva (Art. 75 da LBI) que deve ser estruturado intersetorialmente pelo Comitê Interministerial de Tecnologia Assistiva – CITA. Todas são entregas muito importantes para o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos e a Secretaria Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência.

RR – Quais as maiores dificuldades da PcD no Brasil ? O governo pretende estender ou ampliar linhas de crédito e fomento para propiciar maior alcance a produtos e serviços de melhor qualidade em TA para o cidadão ? Como por exemplo, incremento da linha BB Crédito Acessibilidade ou algo semelhante também disponível pela Caixa Econômica Federal ?

NM – Com relação às maiores dificuldades das pessoas com deficiência no Brasil, eu diria que estão no acesso a direitos, fato já amplamente identificado, objeto de ações civis públicas e que o Governo Federal pretende responder por meio da Avaliação Única da pessoa com deficiência, a qual acredito será uma solução que se tornará realidade em curto prazo. O Governo Federal está altamente sensível à pauta da pessoa com deficiência. No momento atual em que, estamos saindo do epicentro da crise gerada pela pandemia mundial de COVID, orçamento é desafio, contudo a Secretária Priscilla Gaspar está empenhada em tentar melhorar o orçamento para pessoa com deficiência e garantir que não tenhamos retração de qualquer direito. Houve um grande diálogo de nossa Secretaria com o Banco do Brasil para aperfeiçoamento da linha de financiamento BB Crédito Acessibilidade. Infelizmente não há como pleitear crescimento no momento, mas sim garantir a não retração do mesmo, visto sua importância para o cidadão.

RR – O país está no caminho certo ? Ou você entende que poderíamos estar em outro estágio ?

NM – O Brasil está construindo um caminho com ousadia e bravura. Há enfrentamento de interesses particulares a serem travados de modo a assegurar o avanço e a garantia dos direitos das pessoas com deficiência e temos travado esse embate de modo ousado, pois não cremos que esses interesses possam nunca superar o bem comum. Para estar noutro estágio significa que precisaríamos ter iniciado o incentivo ao setor de Tecnologia Assistiva anos atrás. Como não temos como mudar o passado, podemos tomar melhores decisões no momento atual e construir esse outro estágio, sempre aperfeiçoando, mas precisamos seriamente tratar como uma prioridade e entender seu valor estratégico para a nação.

RR – Como avalia a Tecnologia Assistiva no Brasil ? Qual o melhor caminho para que a PcD não seja tão prejudicada com altos valores ? Existe algum trabalho para desoneração fiscal da cadeia produtiva de Tecnologia Assistiva ?

NM – Tecnologia Assistiva no Brasil tem a possibilidade de ser nossa corrida espacial nacional, pois envolve o desenvolvimento de ciência e tecnologia aplicados à melhoria da vida de todas as pessoas. Contudo somos muito dependentes de importação de equipamentos, matéria prima, peças de reposição e isso encarece e dificulta o acesso, por vezes tornando algumas TA um bem de consumo apenas para classes sociais mais altas. Eu acredito na Tecnologia Assistiva como possibilitador de vida com mais autonomia e qualidade, portanto para a pessoa com deficiência não deve ser artigo de luxo, é um bem de primeira necessidade, pois sem ela eu não comunico, não locomovo, não interajo… A desoneração do setor é um direito já previsto no Art. 75 da LBI e estará contido no Plano Nacional de Tecnologia Assistiva que será estruturado pelo CITA muito em breve, como mais uma entrega do Governo Federal à população.

RR – No seu ponto de vista, acha que deveria ser alterada a forma de dispensação/concessão de recursos e equipamentos de TA para PcD no Brasil ? Como poderia ser um bom modelo para um País continental e com tantas variáveis regionais como o Brasil ?

NM – Tecnologia Assistiva não segue a lógica do item mais brilhante ou de modismos. Necessita ser prescrito após uma avaliação técnica por profissional capacitado, que recomende aquilo que melhor auxiliará na solução que busca. É o resultado da tríade características pessoais, ambiente e atividades a desempenhar. As Oficinas Ortopédicas do SUS estão responsáveis pela dispensação de boa parte da tecnologia assistiva. O cofinanciamento via BB Crédito Acessibilidade auxilia a aquisição, de modo privado, à necessidade específica não contida na Tabela SUS. Contudo, a política de saúde não é o único dispensador de Tecnologia Assistiva, a Previdência Social via Serviço de Reabilitação Profissional e a Educação também o faz dentro de suas prerrogativas legais.

RR – O que as pessoas que seguem o SISTEMA REAÇÃO e a Revista Reação podem esperar do trabalho de Naum Mesquita ? Deixe um recado aos nossos leitores e assinantes.

NM – Acredito que as melhores respostas ocorrem com o diálogo e compartilhamento. É meu papel servir à população, identificar e apresentar soluções às necessidades coletivas, aperfeiçoar políticas públicas, compreender o sistema e suas características estruturais, de modo a não ver simplesmente barreiras, mas oportunidades e possibilidades de avançar, cumprindo também com meu dever de assessorar tecnicamente meus gestores para melhor tomada de decisão no setor. Acredito na potência dos Conselhos de Direitos como intermediador das reais necessidades vividas pela população junto ao poder executivo. Por último, estou como parte da Secretaria Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência, onde no coletivo dessa equipe acredito que vamos avançar na implementação de soluções para o dia a dia das pessoas com deficiência com dedicação e muito trabalho.

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