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ESPECIAL – CADEIRAS DE RODAS – O novo momento das Cadeiras de Rodas no Brasil !

Por: hallak

Milhares de brasileiros são usuários ou usuárias de cadeiras de rodas. Nos últimos anos muita coisa mudou em termos de tecnologia, fabricação e principalmente, na qualidade dos produtos de Tecnologia Assistiva, e o Brasil, que sempre teve fama de estar até certo ponto “atrasado”

Hoje, mesmo ainda em alguns modelos de produtos mais específicos, está distante da tecnologia que se tem no primeiro mundo, já evoluiu bastante e não deixa a desejar com os de fabricação nacional. Isso ocorre em todos os segmentos de mercado e não é diferente no de Tecnologia Assistiva. Mas para que essa evolução nos produtos e também nos serviços de Tecnologia Assistiva ocorresse por aqui, o caminho vem sendo longo e muitas etapas foram e estão sendo vencidas pela indústria nacional, pelas revendas e porque não, pelos próprios consumidores – as pessoas com deficiência – usuários desses produtos, que passaram, com a difusão e a facilidade da informação que o mundo de hoje oferece, a ser bem mais exigentes e sabedores daquilo que está disponível no mercado internacional. Outro fator que conta e muito, é o aumento significativo do poder de compra das pessoas com deficiência nos últimos anos e a organização da indústria através da criação de entidades patronais e de profissionais, como a ABRIDEF – Associação Brasileira da Indústria, Comércio e Serviços de Tecnologia Assistiva, que foi criada há 7 anos e vem reunindo aqueles que atuam neste segmento específico, da ABIMO – Associação Brasileira de Artigos Médicos, Odontológicos e Hospitalares, e da ABOTEC – Associação Brasileira de Ortopedia Técnica. Essas três entidades, cada uma delas com sua parcela de responsabilidade, vem trabalhando e muito para mudar o cenário da Tecnologia Assistiva no Brasil no que diz respeito, dentre outras coisas, à qualidade dos produtos e dos serviços neste segmento. “Tudo que fazemos, cada projeto, cada detalhe, cada trabalho, todos os contatos e participações junto ao governo federal e aos órgãos específicos de regulamentação e certificação, as nossas participações em eventos internacionais, parcerias, tudo sempre é no intuito de buscar uma regulamentação da indústria nacional e de um novo cenário de profissionalização deste setor que, apesar de sempre existir, ainda é muito novo em nosso País, e está passando por uma fase de reconhecimento de sua expressão e importância real no cenário econômico nacional. E principalmente, e consequentemente, cada nova conquista neste sentido, é na busca de oferecer produtos e serviços de melhor qualidade para o consumidor com deficiência, e as cadeiras de rodas representam a base dessa cadeia produtiva, por ser o produto de maior visibilidade no setor”, afirma Rodrigo Rosso, presidente da ABRIDEF.

Especificamente falando em Cadeiras de Rodas, a indústria nacional evoluiu e muito. Hoje, elas estão muito mais modernas e são produzidas obedecendo a parâmetros definidos, afinal, não poderia deixar de ser, pois representam uma extensão do próprio corpo para pessoas se utilizam delas em seu dia a dia e que levam a vida normalmente, seja no mercado de trabalho, na vida familiar, lazer, esporte etc.

“Temos um novo conceito social, abrangente e de novas conquistas”, afirma Paulo Cesar Fernandes, usuário de cadeira de rodas e chefe Executivo da Smart, fabricante de Goiânia/GO, uma das indústrias mais recentes do ramo instaladas no Brasil. Para ele, o poder aquisitivo das pessoas com deficiência cresceu e elas estão mais conscientes dos seus direitos. Paulo lembra também, da publicação da LBI – Lei Brasileira de Inclusão, da realização da Paralimpíada e uma série de conquistas nos últimos anos, que mudaram o perfil dos consumidores e dos fabricantes. “As empresas também estão muito conscientes que, com tantas mudanças, terão que haver também produtos inovadores e cada vez com mais qualidade para o público consumidor com deficiência”, afirma.

Ele lembra, entretanto, como fabricante e usuário, que não se pode generalizar o termo “cadeira de rodas”. Existem várias classes, tipos e modelos, categorias para usos diferentes como:  cadeiras clínicas, esportivas, monoblocos, dobráveis, seja para lazer e esportes ou para uso postural. Sem esquecer das motorizadas. Desse modo, em alguns segmentos, as cadeiras nacionais estão muito perto de alcançarem um produto competitivo no mercado internacional. Em outros, como nos modelos automatizados, com grande dependência tecnológica, ainda há um grande caminho a se  percorrer, mas a indústria nacional vem fazendo a lição de casa e já temos ótimos produtos.

No quesito preço, há muitas opções, tanto nas cadeiras manuais quanto nas motorizadas, sejam nacionais ou importadas, e muita diferença técnica e de qualidade também. Em números aproximados, numa avaliação de Monica Cavenaghi, diretora comercial da Cavenaghi, uma das grandes empresas de revenda do produto no País, com lojas físicas em São Paulo e no Rio de Janeiro, uma cadeira de rodas manual pode variar de R$ 500 (ou menos) até R$ 25.000 (ou mais) e uma motorizada, de R$ 7.500 (ou menos) a R$ 50.000 (ou mais).

É sem dúvida um grande mercado. Estudos apontam que no Brasil são produzidas e comercializadas mais de 400 mil cadeiras de rodas por ano. E a indústria, comércio e serviços de Tecnologia Assistiva, no geral, é um setor que movimenta mais de R$ 5,5 bilhões/ano. “Mesmo assim, com tanta expressão, seja por uma questão de desconhecimento ou até de certa forma, porque não, de preconceito cultural também, o setor não aparece em nenhuma estatística de setores economicamente ativos em nosso País e nem é reconhecido ainda como um setor econômico pela mídia em geral, que costuma trazer balanços setorizados ano a ano. Mas estamos chegando lá”, comenta o presidente da ABRIDEF. Só fabricantes de cadeiras de rodas no Brasil são mais de 35 empresas espalhadas por todos o território nacional. De todos os portes, porém, nem todas obedecem a padrões de qualidade, principalmente as que fabricam as cadeiras manuais mais simples.

 

A legislação

Joffre Moraes, gerente de Estratégia Regulatória da ABIMO – entidade mantenedora do CB 26 da ABNT – explica como funciona a avaliação das cadeiras de rodas comercializadas no Brasil: “Elas devem, necessariamente, possuir um número de cadastro na ANVISA – Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Para isso, as empresas precisam demonstrar a segurança e eficácia de seus produtos, podendo se utilizar das normas técnicas aplicáveis”.

Falando em normas, Moraes também é superintendente do ABNT/CB26. A ABNT – Associação Brasileira de Normas Técnicas, possui um Comitê Brasileiro Odonto-Médico-Hospitalar – chamado de CB 26 – que tem como atribuições o planejamento, execução, coordenação e controle das atividades de normalização técnica relacionadas a esses produtos. Como são muitos, há 22 comissões de estudos dedicadas aos vários segmentos. Uma delas trata especificamente de cadeiras de rodas.

Muita gente não sabe, mas a participação nas Comissões de Estudos da ABNT é voluntária e aberta a todos os interessados, explica o superintendente. “Temos nas comissões uma grande necessidade de participação, tanto de fabricantes e consumidores, como também de laboratórios de ensaios e organismo de certificação. Deixo aqui um convite a todos que possam estar interessados em conhecer e contribuir com a normalização de cadeiras de rodas no Brasil. Para receber as convocações e pautas das próximas reuniões, basta indicar o interesse através do e-mail: cb26@abnt.org.br”, finaliza Moraes.

O coordenador da Comissão de cadeira de rodas da ABNT/CB 26 é Rodrigo Araújo Real, gerente de Pesquisa e Desenvolvimento da Freedom, indústria tradicional do setor, com mais de 25 anos de atividade e instalada em Pelotas/RS. Ele participa do grupo há 5 anos e há 3 anos assumiu a função de coordenador do CB 26. “O trabalho da comissão se divide em duas partes: temos o compromisso de representar o Brasil junto à ISO – Organização Internacional para Padronização nas discussões de novas normas e atualizações das normas existentes. Nesse trabalho, avaliamos as propostas de mudanças, votamos e sugerimos alterações nesses textos. É um setor importante do trabalho, pois assim podemos colocar particularidades e opiniões do contexto do Brasil nas normas internacionais. A outra parte é focada na tradução das normas ISO e publicação junto à ABNT”, explica Real. O grupo varia entre 6 a 8 participantes, mas o coordenador lembra e convida aos participantes desse segmento a se fazerem presentes.

Hoje, as normas adotadas no Brasil seguem os mesmos critérios internacionais. “As normas adotadas aqui são internacionais, sendo assim, unem experiências do mundo inteiro para chegar a requisitos que, se atendidos, qualificam o produto para um contexto mundial”, lembra Real. Ele completa dizendo que as cadeiras de rodas estão sob exigência de certificação compulsória da ANVISA, é exigida conformidade com normas da série 7176, bem como com a IEC 60601-1, nos casos de produtos que possuam algum sistema elétrico.

Em termos práticos, hoje, qualquer empresa que esteja pleiteando o cadastro de uma cadeira de rodas junto à ANVISA precisa procurar uma certificadora acreditada junto ao INMETRO – Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia, e buscar o certificado de conformidade para depois apresentar à ANVISA. “Nesse processo o produto é submetido a uma série de ensaios e a fábrica passa por uma auditoria inicial de conformidade de processos”, informa Real.

Depois de obtido o certificado, as empresas passam por auditorias de fábrica anuais, nas quais o processo de desenvolvimento e produtivo é verificado buscando identificar a conformidade com o que é estabelecido pelas normas. A cada 5 anos uma recertificação completa dos produtos precisa ser feita para reemissão do certificado. “Sem dúvida, as normas de cadeiras de rodas são aliadas dos fabricantes, são um de guia para o sucesso de projeto desse tipo de produto. Elas podem ser vistas como um resumo que combina a experiência mundial para que erros do passado não sejam cometidos novamente”, acredita o coordenador. Ele lembra, porém, que os fabricantes ainda enfrentam uma carência muito grande de laboratórios que realizem ensaios em conformidade com as normas no Brasil e isso cria dificuldades para o desenvolvimento e homologação de projetos. Para cadeiras de rodas motorizadas, o programa de avaliação da conformidade do INMETRO utilizado é o de equipamentos eletromédicos.

“Já as cadeiras de rodas mecânicas ou manuais, devem ser ensaiadas de acordo com as normas da série ISO 7176, conforme RDC 27/2011 e IN Nº 04/2015”, explica Juliano Acciolly Tesser, especialista da Gerência Geral de Tecnologia em Produtos para a Saúde da ANVISA. Ele garante que, conforme a Lei Nº 6360, de 23 de setembro de 1976, o registro será concedido no prazo máximo de 90 dias, a contar da data de entrega do requerimento, salvo nos casos de inobservância desta Lei ou de seus regulamentos.

“O cadastro na ANVISA é um processo importante para regular o produto e obrigar todas as fábricas, sejam de que tamanho forem, a produzirem com mais qualidade. Além disso, a empresa precisa estar dentro dos parâmetros e padrões especificados, o que garante mais segurança ao usuário. Acho que deveria existir mais fiscalização para assegurar que nas lojas cheguem somente produtos com registro e dentro das conformidades”, defende Mara Servan, diretora comercial da Ortopedia Jaguaribe, instalada em Ferraz de Vasconcelos/SP, que coordenou o grupo de cadeira de rodas no CB 26 por 18 anos.

Ela considera que a maioria das fábricas no Brasil tem comprometimento com o produto e segue as normas de qualidade específicas. “Acho que precisamos de mais incentivo à tecnologia e ter um programa mais rigoroso com relação aos produtos importados, principalmente da China. Já temos muitos problemas com desemprego para comprarmos produtos fabricados fora do Brasil”, opina Mara.

O INMETRO colocou em consulta pública, entre janeiro e março de 2016, uma proposta sobre Requisitos de Avaliação da Conformidade (RAC) que cria alguns critérios mínimos de aceitabilidade das cadeiras de rodas. Até agora, porém, os resultados não foram publicados: “Ainda não se avançou para que o RAC tenha uma versão consolidada final utilizando as contribuições coletadas na consulta pública”, conta Gino Salvador, vice-presidente da ABRIDEF e diretor da Freedom.

De acordo com a assessoria de imprensa do INMETRO, a portaria esperada ainda está tramitando, esperando determinações da ANVISA. Já a assessoria de imprensa da ANVISA, nos informou que da parte do órgão não há pendências para publicação do RAC. Fica então a dúvida do por que ela ainda não foi publicada. ANVISA e INMETRO precisam se entender nesse sentido e publicar os resultados do tão aguardado RAC das cadeiras de rodas.

“Entendemos que o próximo passo natural para os fabricantes é a certificação de seus processos produtivos na ISO 13485, norma que certifica os processos para a área da saúde e é usada em todo o mercado internacional”, avalia Salvador. “A certificação cria padrões de avaliação bem definidos, o que é muito bom, pois saímos da linha da subjetividade para algo concreto. Além disso, estabelece critérios mínimos que precisam ser atendidos. Do ponto de vista do fabricante nacional é algo muito benéfico, pois valoriza nossa indústria e dificulta a entrada de produtos de baixa qualidade trazidos por importação em momentos que a diferença cambial é favorável”, comenta o vice-presidente da ABRIDEF. Ele acredita que as cadeiras de rodas produzidas no Brasil são adequadas à realidade seja do ponto de vista econômico, social ou de urbanização. “Com relação a valores, nossa indústria é competitiva, praticando preços bastante agressivos e, desde que se trabalhe com um câmbio real, são capazes de competir no mercado com fabricantes de fornecimento global”, conclui.

 

Indústria, comércio e a relação com o mercado

O Brasil é um mercado tão importante que uma das grandes empresas mundiais do setor, a Ottobock, fundada em 1919 em Berlim, na Alemanha, e espalhada por vários países do planeta, decidiu ter sua própria planta no país, e instalou uma fábrica na cidade de Valinhos/SP, há cerca de uma hora da capital paulista. A decisão, de acordo com o diretor geral da empresa no Brasil, Ricardo Oliveira, foi para incrementar as vendas não só por aqui como na América Latina, bem como fortalecer a imagem de empresa exportadora para os países do Mercosul. “Com essa acertada decisão, melhoramos a logística e oferta de soluções, que fez com que, rapidamente, a marca tenha ganhado a preferência do consumidor e dos lojistas de todo o país. Entretanto, sem dúvida, a isenção de impostos e incentivos fiscais em relação à cadeia produtiva, podem ter um efeito muito positivo de estímulo à produção de Tecnologia Assistiva de boa qualidade no Brasil”, afirma Oliveira. A ABRIDEF, segundo o seu presidente, vem trabalhando junto ao governo federal há alguns anos na busca dessa isenção fiscal na cadeia produtiva da Tecnologia Assistiva.

Na visão do diretor da empresa alemã, a introdução dos produtos importados no mercado brasileiro obrigou a indústria nacional a se mobilizar na modernização de seu parque industrial e melhoria dos seus produtos. “A ISO 7176, atualmente, regulamenta o mercado quanto às normas para avaliação e eficácia dos produtos, porém é necessário avançar em outras avaliações como auditorias em fábricas e em testes de durabilidade específicos para os produtos. É importante a incorporação de novos requisitos de avaliações de conformidades que possam permitir que os produtos desenvolvidos no país consigam evoluir para o mesmo nível de soluções disponibilizadas no mercado mundial”, acredita. Para ele, a futura publicação do RAC pelo INMETRO trará benefícios ao mercado.

Com a dimensão do país, há fabricantes espalhados por quase todas as regiões. No Nordeste, por exemplo, a Carone, instalada em Caucaia/CE, está no ramo há quase 30 anos: “a opção em abrirmos a fábrica no Nordeste foi porque, na década de 80, os grandes fabricantes não queriam atender a região Nordeste e Norte e meu pai, Píndaro Cardoso, já falecido, vislumbrou na necessidade de atender seus clientes uma oportunidade de negócio”, conta Yalis Cardoso, gerente administrativa da empresa. A família começou no ramo de Ortopedia Técnica há 48 anos.

Para ela, colocar um produto à disposição no Brasil é desafiante. “Antes de tudo tem que haver o estudo do mercado e suas tendências, tentar antecipar os anseios do cliente. É fundamental que toda empresa se renove, assim como seus produtos”, afirma. “As normas são muito importantes, mas o que garantirá a qualidade de qualquer produto é a seriedade de quem produz”, afirma Yalis.

A importância da regulação pelo próprio mercado é destacada por Adalberto Baltazar, gerente de Marketing da Ortometal, fabricante com sede na cidade de Colombo/PR. Ele considera que o país tem uma situação estável na área e “o mercado é o melhor filtro”. Aponta que é difícil registrar um novo produto e acredita que, em sua opinião, uma certificação obrigatória não seria suficiente para elevar inteiramente a qualidade dos produtos. “As empresas tradicionais já têm aprovação do mercado, estão sempre se atualizando para não ficarem defasadas. Um fabricante novo tem o foco no retorno e, por sua inexperiência, deixa justamente a qualidade em segundo plano, sempre que possível”, alerta.

O gerente de Vendas da Ortobras, empresa também tradicional no ramo com sede em Barão/RS, Astor Horbach, considera que as normas existentes são suficientes. “O consumidor tem grande escolha de produtos à sua disposição, de variados fabricantes e qualidade muito elevada”, garante. Ele explica que o diferencial em relação aos modelos importados é a concepção própria do produto para o mercado brasileiro. Sobre preços, explica que as cadeiras de rodas motorizadas custam de três a quatro vezes o preço das cadeiras de rodas manuais porque o conjunto de acionamento e em particular, as baterias, são itens muito caros.

No setor, há opiniões discordantes, como a de Mônica Cavenaghi: “o mercado de cadeiras de rodas no Brasil sofre grandes entraves dos órgãos reguladores e de falta de apoio do governo. Lamentavelmente, apesar dos esforços de alguns fabricantes e lojistas, caminhamos a passos bem lentos comparando-nos aos países mais desenvolvidos”, afirma. Para ela, “os grandes problemas são o altíssimo custo e a grande burocracia da ANVISA para registro dos produtos, aliada à baixa fiscalização, o que ocasiona uma concorrência desleal e desestimula os investimentos. E, por outro lado, a defasagem da tabela SUS, que remunera muito mal a indústria – sobretudo a nacional – e, com isto, não a capitaliza para novos investimentos em tecnologia e novos produtos”, explica Mônica, que acredita que as normas no INMETRO são eficazes, mas ainda não estão 100% em vigor. “Na prática, o que falta, não são normas, mas sim fiscalização”, argumenta. Em relação aos modelos importados, que têm a vantagem de contar com a engenharia de seus países de origem e, portanto, tendem a uma maior sofisticação e tecnologia, eles não são, necessariamente, melhores do que as nacionais. “Um bom produto é fruto de um bom projeto aliado à uma boa fabricação, então há que se ter atenção. O melhor a fazer é pesquisar muito e consultar a satisfação dos usuários com determinada marca ou modelo de cadeira”, aconselha.

 

Importações e o papel do Governo

Outra voz crítica é a de Luciano Santos, diretor comercial da Casa Ortopédica, uma das principais revendas do país, localizada na capital paulista e com grande força na venda também pela Internet. “Em normatização, o que vemos são parte dos próprios fabricantes manipulando as situações ou para que as coisas continuem da forma que estão, para que seus produtos com suas deficiências crônicas e atrasos tecnológicos permaneçam aí ou, como agora tem sido criadas normas técnicas e sanitárias mirabolantes para ‘qualificar’ nossos produtos”, diz Santos, que vai mais longe: “no nosso caso, que trabalhamos com vendas no varejo, percebemos, em contato com os clientes usuários, a baixa qualidade dos equipamentos, quebras, entre tantas coisas que estão em conflito com tantas qualificações para uma cadeira aqui no Brasil”, afirma. “Estão colocando tantas normas, testes e certificações nas cadeiras de rodas motorizadas no Brasil que cremos que nem em países da mais alta tecnologia consigam ter tamanha qualificação”, considera. “O que vejo é mais uma forma bairrista para que o mercado possa ser segmentado, parece um certo lobby. Vejo que, em décadas, as presidências de órgãos de normas estiveram e certamente estão, em fabricantes das mesmas cadeiras de rodas”, declara o revendedor. “Algo que, cedo ou tarde, o Brasil vai ter que decidir é se deseja um grande mercado consumidor, com produtos, variedades e qualidade, ou um grande mercado consumidor com um nicho de fabricantes”, acredita. “Mesmo empresas estabelecidas aqui no Brasil que desejam aumentar sua oferta de produtos e agregar equipamentos, entre o custeio fantástico de registros, documentações, testes físicos, laboratoriais, visitas em matrizes internacionais de fabricantes, tributos e todo labirinto, em cenários otimistas, o que se vê na realidade é que, para conseguir o registro de um produto leva pelo menos 2 anos. Imagine uma cadeira nova, top de linha, lançada em algum país que resolveria a qualidade de vida de um usuário brasileiro, levando 2 ou 3 anos, depois de ser lançada, para que alguém, de forma legal e coerente, possa importar para se comercializar aqui no Brasil,” comenta Luciano.

Ele mesmo afirma que, em 2014, selecionou alguns produtos no exterior para importar, mas somente agora conseguiu os registros legais. “Vamos vender aqui não para competir com nenhum fornecedor local, mas sim para quem esteja disposto a pagar um alto valor por uma solução diferenciada que até então não estava disponível”, explica. Faz também uma comparação: “as cadeiras de rodas importadas seriam para o mercado de acessibilidade o que são os carros importados no mercado de consumo”, explicando que são produtos para nichos específicos.

“Nosso mercado de fornecedores, mesmo com todas as dificuldades econômicas e governamentais do país, precisa entender que tem competência para produzir produtos melhores. Temos exemplos em nossa história de cadeiras nacionais que criaram muita qualidade de vida em usuários, e muitas dessas indústrias viram que, por questões financeiras, estruturais ou mesmo tecnológicas, foram buscar no exterior produtos para completar seu catálogo. Mesmo aquelas que até mostraram competência e receberam recursos públicos para pesquisa de desenvolvimento local ainda completam seu caixa com produtos importados”, finaliza.

Em um país com as características do Brasil, com sua grande extensão e disparidade entre as regiões e o poder aquisitivo de sua população, é fundamental o papel do Estado, que é um grande comprador da indústria para distribuir a todo um contingente de pessoas que não tem condições de acesso às cadeiras com recursos próprios. Isso precisa ser acertado no Brasil.

O governo criou uma linha de crédito subsidiada no Banco do Brasil para ajudar a população que necessita, a ter acesso a um produto de melhor tecnologia: é o BB Crédito Acessibilidade. Mas a linha, apesar de atraente para quem compra e muito boa para quem vende, é pouco divulgada à população, que em sua maioria fica sem acesso a ela.

Da parte de quem vende, como a empresa Vanzetti, que tem fábrica em Araras/SP e loja na zona sul da capital paulista, o grande problema é o preço pago pelas aquisições feitas diretamente e pagas pelo governo, considerado muito baixo. “Atendo entidades e associações públicas que fazem a dispensação de cadeiras de rodas. Nosso trabalho é diferenciado, fornecemos um produto de alta qualidade e de acordo com a necessidade de cada paciente”, diz Luiz Fernando Vansetti, sócio da empresa. “A demora depende das verbas públicas para aquisições”, conta.

Ele dá um exemplo: uma cadeira para tetraplégicos no mercado sai por R$ 2.450 em média, mas o preço pago pelo SUS – Sistema Único de Saúde aos fornecedores é de R$ 1.170 para essa mesma cadeira. Outra crítica que ele faz se refere aos códigos dos modelos utilizados pelo SUS, que seriam muito abrangentes e, em alguns casos, pouco explícitos. A Vanzetti também considera muito longo o tempo para receber pela venda produto: o governo paga com 90 dias após a entrega e aceita pelo órgão que também, algumas vezes, demora 15 dias.

 

Mas como funciona o fornecimento de cadeiras de rodas pelo SUS ?

Somente no ano de 2016, foram entregues 75.317 cadeiras de rodas pelo SUS, o que representou um recurso aplicado de R$ 62,6 milhões. A concessão de órteses, próteses e os chamados Meios Auxiliares de Locomoção (OPM), entre os quais estão as cadeiras de rodas, se dá por meio dos Serviços de Reabilitação, que podem ser públicos ou conveniados.

A coordenadora Geral de Saúde da Pessoa com Deficiência do SUS, Odilia Brigido de Sousa, explica que, atualmente, são 9 modelos de cadeiras de rodas disponíveis. O interessado precisa ser encaminhado, preferencialmente, pela Unidade Básica de Saúde (UBS) mais próxima ao Serviço de Reabilitação de referência, definido pela Secretaria Municipal ou Estadual de Saúde, responsável pela concessão das cadeiras de rodas em suas localidades. Ele será avaliado por uma equipe multidisciplinar, responsável pela prescrição do modelo mais adequado ao quadro clínico e capacidade funcional do paciente.

Sobre a constante reclamação de que o processo para conseguir uma cadeira no SUS é muito demorado, a coordenadora explica que a aquisição é realizada pelos gestores locais (Secretarias Estaduais e Municipais de Saúde) e pelos serviços de reabilitação filantrópicos conveniados ao SUS, de modo que estes realizam as contratações diretamente com os fornecedores. “Como o processo de aquisição das OPMs pelos serviços e gestores e a entrega ao usuário ocorre de maneira descentralizada, cabe a estes gestores locais a gestão e a regulação de eventuais filas e listas de demanda reprimida, não havendo dados acerca do tempo médio de espera nos Sistemas de Informação do Ministério da Saúde”, ela justifica.

O paciente que recebe a cadeira, segundo Odilia, faz parte de um programa de reabilitação, de modo que a concessão está associada a um processo de treinamento e adaptação para garantir seu uso adequado e seguro. O Ministério da Saúde, inclusive, por meio de portaria, incorporou ao Limite Financeiro Anual de Média e Alta Complexidade dos Estados, Distrito Federal e Municípios, um recurso anual no montante de R$ 24,5 milhões destinados ao custeio de procedimentos de manutenção/adaptação de OPM auxiliares de locomoção e ortopédicas, dentre outros. “Estes procedimentos de adaptação/manutenção possibilitam o retorno dos usuários aos serviços de reabilitação para realização de reparos e manutenções nas cadeiras de rodas, por exemplo”, informa.

Os fornecedores devem oferecer garantia de 18 meses para defeitos de componentes e de 12 meses para os decorrentes de falhas comprovadas de mão de obra. A substituição pode ser reivindicada ao final de 2 anos ou de um período julgado adequado pelos profissionais de saúde responsáveis. “Quanto à qualidade e certificação das cadeiras de rodas, o Ministério da Saúde tem acompanhado, junto aos órgãos competentes, como ANVISA e o INMETRO, o avanço na discussão do processo de implementação de normatizações e certificações a fim de garantir padrões de qualidade em todo território nacional. Em dezembro de 2013, foi publicada a Instrução Normativa ANVISA Nº 9, que aprova parâmetros a serem observados para a certificação de conformidade, no âmbito do Sistema Brasileiro de Avaliação da Conformidade (SBAC), para cadeiras de rodas, dentre outros equipamentos”, finaliza a coordenadora. Mas na prática, pelo que se percebe Brasil afora, a coisa não funciona com tanta “facilidade e perfeição” como aparece na explicação do Ministério da Saúde, infelizmente.

O ponto de vista do usuário

Adelino Ozores, 60 anos, é jornalista e consultor em acessibilidade. Possui lesão medular – tetraplégico C5 – adquirida em um mergulho de uma pedra no mar. “Quando saltei bati com a cabeça em um banco de areia”, conta. A lesão, segundo ele, foi agravada nos primeiros socorros, que na época, há 42 anos, não observava os procedimentos de socorro que temos hoje. Ele conta que possui hoje duas cadeiras de rodas motorizadas, uma nacional – modelo Freedom SX – e outra com tecnologia e mecânica importada, modelo Ottobock B400. Em sua opinião, “a indústria nacional tem evoluído muito na construção de cadeira de rodas manuais e motorizadas, mas é preciso estudar uma forma para reduzir ou subsidiar os preços das cadeiras para que todos possam ter acesso à qualidade. Quanto ao INMETRO, acredito ser muito importante para a segurança do usuário e aprimoramento das cadeiras”, afirma. Adelino costuma fazer manutenção permanente em suas cadeiras, que ele costuma dizer que são “bens duráveis”, e por isso duram anos. “Até gostaria de trocar mais vezes, mas os preços são proibitivos, uma barreira real”, finaliza Ozores. 

Outro usuário de cadeira de rodas motorizada é Roberto Belleza, 58 anos, servidor público, Assessor da Diretoria da SPTuris, empresa da Prefeitura de São Paulo responsável pelo turismo e eventos da Cidade. Ele é usuário há 22 anos – lesão LMR nível C5 e C6 – e possui uma cadeira motorizada fabricada no Brasil, contendo componentes importados, da marca Seat Mobile.

“O mercado vem evoluindo, ainda que de maneira lenta, porém com preços muito elevados, tanto nas manuais como nas motorizadas. O INMETRO é fundamental para que haja maior controle e segurança, além de uma padronização na produção de cadeiras de rodas no Brasil. Recentemente, participei da Comissão de Estudo de Transporte com Acessibilidade da ABNT, criado para elaborar a revisão da NBR 15320 – Acessibilidade à pessoa com deficiência no transporte rodoviário. A falta de padronização na fabricação de cadeiras de rodas no Brasil trouxe uma série de problemas, principalmente quanto a ancoragem das mesmas dentro dos ônibus, no que tange à fragilidade dos materiais utilizados e à montagem insegura de vários modelos comercializados no País”, afirma Belleza, que costuma trocar sua cadeira a cada 10 anos.

O presidente da Federação Paulista de Basquete Sobre Rodas e Gestor Esportivo, Fábio Silva Souza de 45 anos, teve uma lesão medular congênita e é usuário de cadeira de rodas há 35 anos. Ele possui uma cadeira manual, importada, da marca OttoBock, modelo Blizzard. “Já tive cadeiras nacionais e o selo do INMETRO é uma garantia de que estou comprando um produto de confiança, com qualidade, reduz a sensação de insegurança ao circular com a cadeira nas ruas como as nossas, tão acidentadas”, comenta Fábio. “Quando eu tinha cadeira nacional, trocava a cada 3 ou 4 anos, tenho a minha cadeira atual, importada, há 6 anos e está em ótima condição e aparência de seminova”, conta.

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