logo revista reação
Pesquisar

Eu vi, ninguém me contou.

Por: hallak

Por Fábio Guimarães. Dia 7 de julho de 2017, faz –  ou fez, dependendo de quando você está lendo este artigo – exatamente 4 anos que participei de um primeiro evento em prol da ACESSIBILIDADE.

Depois daquele, em Copacabana, foram muitos outros na companhia da minha cadeira de rodas. Eu vi, eu senti, ninguém me contou o quão companheira é essa “menina” que gira, que pula, que roda, entra na roda e se faz enturmar. 

Confesso que, enquanto alguém só me contava, eu tinha uma impressão diferente dessa “donzela”. Algo como uma cruz, um peso, um carma, mas carma… ou melhor, calma ! A história é bem outra porque, independente de quem conta, sempre tem o outro lado. E eu, só sei disso porque vi. Ela – cadeira de rodas – leva o corpo cansado, as pernas imóveis, ela leva o sem pernas, ela leva os que pouco se movem.  

“Doce” cadeira de rodas, que me fez caminhar por aí, que me fez cair algumas vezes, talvez para que me lembrasse de ti. 

A primeira foi emprestada, a segunda doada, a terceira uma permuta e, todas me viram na luta. Por uma calçada melhor, parte de uma disputa entre o cidadão pagador de impostos (munícipe) e o cidadão Município. Cada qual pensando no seu bolso, no seu próprio umbigo, enquanto o Cidadão com mobilidade reduzida, toca a sua cadeira pela rua, salta das calçadas e, espera hooooooras uma condução. Ela ? A cadeira ?  In-se-pa-rá-vel !

Foi na cadeira de rodas que conheci pessoas incríveis, foi com ela que abri um espaço na minha mente para ver o mundo de uma outra forma. Vi o mundo de baixo, vi o mundo deslizando sobre suas rodas, vi um mundo que não vê, outro que não ouve, vi um mundo repleto de barreiras que, eu em pé, não conseguia enxergar.

Assim como a cadeira de rodas que ajuda e muito no deslocamento de pessoas que têm dificuldade de locomoção com suas próprias pernas ou pela falta delas, existem outras tantas possibilidades que muitos de nós não enxergam, assim como não enxergam as próprias pessoas com deficiência.

Você “vidente” (que tem a capacidade de ver), que agora está lendo este artigo, parou para pensar como uma pessoa cega pode fazer a mesma coisa ? Pois é, hoje a tecnologia possibilita que essa leitura seja feita através de um software e, no computador ou em um tablete ou um celular, as minhas palavras podem ser transformadas em áudio. O braile ainda é usado por muitos, no entanto, são milhares de pessoas que perderam a visão no decorrer da vida e não tiverem o aprendizado do braile.

Mas, voltando à locomoção, a cadeira de rodas me faz lembrar do Jimmy. Jimmy é o cão guia de uma dessas pessoas incríveis que encontrei pelo caminho. Foi com Deborah Prates que aprendi bastante sobre a importância de se locomover com a ajuda desse cara. Sim, porque ele, Jimmy, é “o cara” para Deborah e tantas outras pessoas que perderam a visão com idade mais avançada ou mesmo que convivem com ela – a falta de visão – por grande parte da vida, como é o caso da atriz Danieli Haloten que conheci em Curitiba, há uns 20 anos. O cão guia é para o cego o que a cadeira de rodas é para uma pessoa com mobilidade reduzida. Não são “objeto de tortura”, como é o que significa a cadeira de rodas para tantos desinformados ou um “bichinho de estimação”, como outros imaginam o cão guia.

Eu sei que você, que está lendo ou ouvindo essas linhas, pode saber disso tudo que estou falando e, possivelmente, com muito mais propriedade que eu, mas o meu desejo aqui é mostrar a minha vivência nesta trajetória de 4 anos. Não, não foram 4 anos efetivamente na cadeira de rodas, mas 4 anos com a cadeira de rodas como instrumento de trabalho, de luta e de representatividade. Unindo-me a um grupo que, ao longo de décadas vem lutando pelo seu direito de ir e vir, dentre outros e, de ser incluído na sociedade como um cidadão que produz, que REproduz, que consome, que cria, que agita e, que sobretudo faz a Cidade e o País girar.

 Talvez, você não esteja entendendo onde quero chegar, mas mesmo assim você chegou.

Pronto ! Você está aqui hoje, 7 de julho de 2017, neste auditório na Marina da Glória, no Rio de Janeiro, Mobility & Show Rio, ouvindo sobre minha curta trajetória. E, está aqui, porque de alguma forma nos encontramos por esse caminho da acessibilidade. Mas, não se preocupe se você está por outra razão ou mesmo se não está presencialmente por qualquer outra. O importante é que nossos caminhos se cruzaram, seja na vida real, na virtual ou simplesmente nessa leitura. Você esteve, está e estará conectado na nossa missão de fazer desta Cidade, uma CIDADE MARAVILHOSA PARA TODOS, de fazer deste País, um BRASIL PARA TODOS.

Nunca tive a intenção de ser mais um na luta pela acessibilidade, eu queria mais. Em maio de 2013, com as passeatas contra o aumento de R$ 0,20 na passagem de ônibus, estava claro que nossa sociedade queria outras mudanças. Foi do meio dessa multidão que sai – sem abandoná-la – para iniciar minha trajetória solitária por mudanças em prol de uma maior acessibilidade no Rio e no Brasil.

Da “trajetória solitária”, levando o slogan “Não sou cadeirante, mas…e se fosse?” e, Buscando Legados de Acessibilidade – BLA – veio o encontro com a Revista Reação, a qual representamos no Rio de Janeiro. Desse encontro surgiu a ideia de criar ASA – Ações e Soluções em Acessibilidade, uma empresa destinada a juntar parceiros para atender da melhor forma com produtos e serviços, as Pessoas com Deficiência ou com Mobilidade Reduzida. Uma ASA para todos que hoje faz a produção local da Mobility Rio 2017. Uma ASAPARATODOS que deseja reunir Empresas e Instituições do Rio de Janeiro e região para prestar melhores serviços a quem deles precisa.

Pois é, este “cadeirante solitário” esteve recentemente em uma feira voltada à acessibilidade das Pessoas com Deficiência ou com Mobilidade Reduzida e presenciei à distância uma cena que me causou espanto: Uma moça cega saiu da condução que a levara ao pavilhão onde era a feira e, com sua bengala, procurou seguir uma reta tateando o chão liso, em busca da entrada. Bateu em uma das faces da porta aberta. Vendo seu sufoco uma outra mulher tentou ajudá-la. Na porta, o segurança apontou para a direita dele e disse “a entrada é pra lá”. Pergunto: Onde é “pra lá” para uma pessoa cega ? Faltou um piso que orientasse aquela moça a chegar ao cadastramento do evento. Faltou treinamento e sensibilidade daquele segurança para orientar as pessoas cegas. Eu vi, ninguém me contou. Foi em São Paulo, ná Reatech 2017. Naquela que já foi um dia, há alguns anos porque hoje infelizmente não é mais, o terceiro maior evento do mundo para pessoas com deficiência… que saudades, que pena.

Com a vivência acima quero ressaltar que, independente, de ser uma Feira de Acessibilidade, coisas do mesmo tipo aconteceram na Copa do Mundo, Olimpíada, Paralimpíada. São criadas “Ilhas de Acessibilidade”, onde por exemplo não há indicação clara de como chegar até uma entrada principal e, muito menos, preparo das pessoas que deveriam dar orientação a quem mais precisa.

Você deve estar perguntando: Por que da cadeira de rodas foi para o cão guia e agora fala da feira, Copa, Olimpíada, Paralimpíada ? Porque naquela feira existiam as melhores cadeiras de rodas e equipamentos de acessibilidade. Nos grandes eventos foram cumpridas, internamente, as normas técnicas. No entanto de nada adiantará as melhores cadeiras de rodas, os melhores cães guias, as melhores “ilhas de acessibilidade”, se não houver a sensibilidade de que diante de nós existem outros seres humanos, tão bons ou melhores que nós e que simplesmente precisam ir e vir, e usar de seus direitos sem barreiras, sejam elas estruturais ou atitudinais.

Portanto, você Cidadão A, B, C,… você Instituição D, E, F…, você Empresa, G,H,I…você Governante J,K,L esta casa Rio de Janeiro, esta mansão Brasil é nossa e, ela só será MARAVILHOSA PARA TODOS E DE TODOS se pensarmos além do nosso umbigo, se pensarmos além das nossas necessidades, além dos nossos espelhos, mas muitas vezes, nem muito além de nosso nariz. Olhe para frente, para o lado, para trás e, veja que TODOS nós, minimamente, precisamos ter as mesmas facilidades de acesso à vida.

Para fechar este artigo, tenho o prazer de hoje, com a ajuda da Revista Reação e da Casa Ortopédica RJ, entregar na Mobility & Show Rio 2017 uma nova companheira – cadeira de rodas – para Jonas Batista Fernandes Lins, no dia do seu aniversário. Que faça bom proveito meu nobre novo amigo. Quem quiser saber um pouco do porquê de Jonas precisar hoje de uma cadeira de rodas é só acessar: https://youtu.be/rhbGLUITCeU.

Pular para o conteúdo