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Músicas estimulam crianças com autismo, garantem terapeutas

Por: Marcos Neves

Os estímulos das músicas podem fazer a diferença para crianças com o espectro autista. Essa observação é fruto de pesquisa e ações práticas de terapeutas. “O processamento auditivo no autismo é diferenciado, sendo que há maior atividade no córtex auditivo primário, que é responsável pelo processamento auditivo-musical e por padrões da fala”, afirma a musicoterapeuta Daniele Pendeza, que é educadora musical. 
Ela explica que protocolos de tratamento baseados em evidências científicas indicam que a pessoa que possui autismo necessita de intervenções de forma intensiva e constante com o objetivo de amenizar suas dificuldades e lhe propiciar maior autonomia e qualidade de vida.

“Em indivíduos típicos, o processamento da fala, especialmente de sons agudos que a compõem, dá-se no córtex auditivo secundário, este, que nas pessoas com autismo, encontra-se com menos ativações”, explica. 
 A musicoterapeuta também destaca que as pessoas com autismo podem apresentar hiperfoco, hipo ou hiperreatividade aos sons, bem como a outros estímulos sensoriais.

O fato pode afetar a percepção, havendo dificuldade na diferenciação e interpretação dos sons ouvidos. “Por exemplo, sons inofensivos podem ser interpretados como perigosos e gerar comportamentos de fuga”.

Porém, pessoas com autismo possuem maior sensibilidade para diferenciar notas musicais, timbres ou identificar a voz. “É muito comum a presença de ouvido absoluto nessa população, ou seja, a capacidade de ouvir um som e saber dizer qual a sua frequência – se é um dó, ré, mi…”, destaca Daniele Pendeza.

Já o reconhecimento das emoções presentes na música ocorre nas pessoas autistas da mesma forma que nas pessoas neurotípicas, que não estão no espectro do autismo, explicam os terapeutas.

Subconsciente

O terapeuta ocupacional João Steinkopf considera que a música expõe as ideias do subconsciente humano. Sendo assim, com os autistas não é diferente. Eles sentem e se expressam de um jeito próprio, como qualquer outra pessoa, e a música intensifica esse fator. De uma forma diferente, mas os autistas são expressivos.

“É um jeito único, singular”, afirma João Steinkopf, que é voluntário da ONG “Uma Sinfonia Diferente”. A entidade busca desenvolver habilidades sociais e comunicativas de pessoas autistas por meio da música.

Ela explica que a música, em geral, pode trazer evolução nas habilidades motoras, cognitivas e na comunicação de pessoas que possuem o Transtorno do Espectro Autista (TEA).

Autismo

A Organização Mundial da Saúde (OMS) define que o Transtorno do Espectro Autista ocasiona déficits sociocomunicativos e comportamentos restritos e repetitivos, por meio da Classificação Internacional de Doenças e de Problemas Relacionados à Saúde (CID-10). A indicação dos terapeutas para a música provou-se viável.

Geralmente esses comportamentos são identificados nos primeiros anos de vida, até os três anos de idade, e em diversos contextos ou formas diferentes, causando prejuízos significativos ao longo de toda a vida do indivíduo.

O Transtorno do Espectro Autista (TEA) é classificado pelos terapeutas como um espectro devido a grande variação de situações e sintomas. As nuances que existem nesses traços proporcionam a gradação que vai da mais leves à mais grave, o diagnóstico não é feito com facilidade.

Por exemplo, a criança autista pode ser verbal, enquanto outras podem nunca conseguir pronunciar palavras, mas emitir sons, utilizar a linguagem de sinais ou se comunicar por pranchas de imagens e aplicativos.

Segundo Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais 5.ª edição (DSM-5), o autismo pode se apresentar em três níveis de gravidade. No nível 1 exige apoio, no nível 2 exige apoio substancial, e no nível 3 exige apoio muito substancial. Essa avaliação é feita por um(a) neuropediatra ou psiquiatra. O tratamento e acompanhamento é variável, segundo terapeutas, adequando-se às necessidades apresentadas pela criança. Esse fator “pode sofrer alterações ao longo do curso de vida de acordo com a implementação das terapias e resposta do(a) paciente.”, destaca Daniele Pendeza.

Música como terapia

Envolver canções, improvisos e composições colabora para a comunicação expressiva e exploração de conceitos. Também melhora a comunicação interpessoal, a comunicação intrapessoal, a atenção e disciplina das crianças autistas.

Com a música é possível trabalhar questões comportamentais e verbais, tomando como princípio o processo inicial de aprendizado da criança, a aprendizagem por imitação, conforme destaca o terapeuta ocupacional João Steinkopf. Entre os benefícios, podem ser observados no relato da universitária Sara Meneses, que foi voluntária na ONG “Uma Sinfonia Diferente”.

Em 2018, a voluntária acompanhou Pedro, que tinha três anos no início do processo. Ele não falava, não abraçava e possuía muitos episódios de ações repetitivas de autorregulação, também denominados como estereotipia. Após um ano do processo de tratamento na ONG, associado com outros acompanhamentos, Pedro apresentou desenvolvimento na fala, demonstrou relação física afetuosa com mais frequência e houve a diminuição dos episódios de estereotipia.

Portanto, segundo os especialistas, os estímulos musicais são capazes de realizar ativações e colaborar para o desenvolvimento global do indivíduo.

O processo da musicoterapia deve ser acompanhado de adaptações do conteúdo, organização e poucos adornos na sala, utilização de agendas visuais, associação com cores e sempre buscar material de apoio visual ou simplificado. A musicoterapeuta, Daniele Pendeza, acrescenta que “todo esse processo se dá em parceria com os profissionais da escola (professor regente, monitor, educador especial), terapeutas e família”.

A capacidade que a música possui de criar uma janela maior de comunicação com o mundo para essas crianças é visível para a musicoterapeuta do Hospital da Criança de Brasília (HCB), Ângela Fajardo.

A dinâmica de trabalho utiliza a musicalização e a musicoterapia de forma conjunta. A especialista também é violoncelista, educadora musical e possui um projeto de criar uma orquestra dentro do hospital com os pacientes recuperados agregando todo o hospital.

Ao fazer um paralelo com o processo de tratamento por meio da psicologia, Ângela Fajardo ressaltou que assim como a fala e a palavra é utilizada no campo psicológico a música exerce esse papel por meio de acordes e ritmos. O que é um ponto crucial já que, de acordo com os profissionais, grande parte das crianças autistas apresentam dificuldades na fala.

Ainda assim, os terapeutas alertam que os indícios da eficácia do tratamento vai variar de criança para criança. Segundo o musicoterapeuta Matheus Oliveira de Souza, da Clínica Recriar, a primeira observação de modo geral é a tentativa de expressividade e verbalização, além disso, a questão comportamental também é observada já que a música também permite que a atenção e a concentração da criança seja prolongada e mantida.

Dentro do espectro as características são individuais e variáveis, as respostas aos tratamentos também pode ser, por isso cada autista deve ser tratado de forma individual e específica de acordo com suas as necessidades priorizando sempre a qualidade de vida da criança. A música como tratamento terapêutico pode complementar esse processo.

Musicoterapia e musicalização não são palavras sinônimas.  musicoterapia se refere a uma atividade que utiliza técnicas, métodos e abordagens específicas que utiliza a música e seus elementos (ritmo, harmonia, melodia, ruídos) com vistas ao desenvolvimento, reabilitação e a saúde do indivíduo como uma forma de tratamento terapêutico. Já a musicalização é o processo de aprendizagem de técnicas musicais e tem enfoque na construção do conhecimento musical do indivíduo.

Desde 2012, a Lei nº 12.764 instituiu que a pessoa com Transtorno do Espectro Autista é considerada pessoa com deficiência. Proporcionando às pessoas autistas o direito ao acesso a várias políticas e benefícios sociais.

O acesso às ações e serviços de saúde devem garantir o diagnóstico precoce, o atendimento multiprofissional, os medicamentos e as informações que auxiliem no diagnóstico e no tratamento por meio do Sistema Único de Saúde (SUS). Todo projeto terapêutico para a pessoa com Transtorno do Espectro do Autismo precisa ser construído com a família e a própria pessoa de forma específica devido a complexidade do transtorno. Visando e disponibilizando ferramentas que possam melhorar a qualidade de vida.

O Ministério da Saúde oferece as seguintes cartilhas de orientação: Autismo – Orientação para pais, Diretrizes de Atenção à Reabilitação da Pessoa com Transtornos do Espectro do Autismo (TEA) e Linha de cuidado para a atenção às pessoas com Transtornos do Espectro do Autismo e suas famílias na rede de atenção psicossocial do Sistema Único de Saúde.

Além disso, o atendimento de musicoterapia no Hospital da Criança de Brasília (HCB) é indicado por outras instituições, o atendimento ocorre por meio do SUS e dependendo da demanda existe uma fila de espera. Os atendimentos são ambulatoriais com a presença dos pais, em grupos ou individuais, segundo os terapeutas. Também existem atendimentos pontuais, nos quais não existe um planejamento terapêutico. Eles ocorrem nos leitos da interação com o objetivo de otimizar a recuperação da criança.

Para obter informações mais precisas de formas de tratamento por meio do SUS para pessoas autistas, entre em contato com a Secretaria de Saúde do Distrito Federal ou da sua região.
Fonte: Milena CastroJornal de Brasília/Agência UniCeub

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