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Priscila Gaspar

Por: hallak

A recém-empossada Secretária Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência é a primeira pessoa Surda da história a ocupar um cargo no Governo Federal. Ela fala pela primeira vez desde que assumiu essa importante função e com exclusividade para a Revista Reação sobre suas expectativas à frente do cargo.

A mais nova secretária nacional é graduada em Pedagogia pela Pontifícia Universidade Católica (PUC) em Letras, Língua Brasileira de Sinais – LIBRAS pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e mestranda em Educação na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP). Ela é surda bilíngue e tem 40 anos. Pertence à uma família com quase 30 surdos. Suas três filhas também são surdas, assim como seus pais e o marido Cezar. Suas filhas são: Nicolle (13), Natasha (11) e Nayanna (9). Desde que assumiu a secretaria, essa é a primeira vez que dá uma entrevista oficialmente. Vamos conhecer um pouco mais sobre a secretária e seus planos à frente da pasta nesse novo governo que acaba de assumir:

Revista Reação – A senhora esperava ser nomeada para a Secretaria Nacional da Pessoa Com Deficiência ?

Priscila Gaspar – Não esperava, essa foi uma grande surpresa. Meu empenho durante a campanha de nosso presidente Jair Bolsonaro foi voluntário, apenas por acreditar que essa seria a alternativa correta para nosso país.

RR – Houve alguma objeção de sua família ao optar por trocar a vida acadêmica e iniciar um trabalho na esfera política ? Ou mesmo alguma dúvida interna sua a respeito dessa nova oportunidade ? Quando e como recebeu a proposta para esse novo desafio ? 

PG – Em momento algum houve objeção de minha família, todos se sentiram honrados e orgulhosos pelo convite. Não tive dúvidas em aceitar esse desafio, me sinto preparada para tal. Recebi a proposta apenas após o resultado das eleições

RR – Faz parte de alguma Associação ou Entidade de Pessoas com Deficiência ? Quais

PG – Atualmente colaboro indiretamente, mas exerci funções durante anos na Associação dos Surdos de São Paulo (APSSP), na Federação Nacional de Educação e Integração dos Surdos (FENEIS) e na Associação de Professores Surdos do Estado de São Paulo (APSSP). Esse trabalho se iniciou já na adolescência, as atividades realizadas são diversas, já fui coordenadora de professores e diretora cultural, por exemplo.

RR – A Primeira Dama disse, em entrevista, que esperava da imprensa manchetes como: “A primeira Surda da história a ocupar uma vaga no Governo”. Mas aconteceu o contrário em muitos órgãos de imprensa e também perante a oposição. Ela falou sobre isso com ar de muita decepção. E a senhora ? Essa reação inicial da grande imprensa foi o seu primeiro grande teste como secretária ? 

PG – De maneira alguma, não me incomodam os boatos acerca de meu convite e nomeação, como mencionei anteriormente, me sinto absolutamente preparada para o exercício dessa função.

RR – No seu ponto de vista, parte da imprensa foi a primeira a praticar o preconceito em relação ao fato de ser Surda ou credita essa reação ao seu relacionamento de amizade com Michelle Bolsonaro ?

PG – Creio que de ambos… é difícil falar sobre isso, mas infelizmente, as pessoas surdas nunca foram reconhecidas. Historicamente, todos os governos anteriores trataram as pessoas surdas de maneira extremamente desrespeitosa, como incapazes. Sobre meu relacionamento com a primeira dama, posso afirmar que a considero uma grande amiga, no entanto, nossa relação se iniciou há pouco mais de um ano.

RR – Em que nível a senhora avalia o preconceito no Brasil em relação às Pessoas Com Deficiência e ou seus familiares ?  

PG – Eu percebo que as pessoas tem uma intolerância cultural em relação às pessoas com deficiência, por exemplo: não temos igualdade de oportunidades em relação a eles. Não vejo as pessoas com deficiência contarem com uma cidade adaptada, não tem um transporte que os atendam, não tem escolas nos três níveis preparadas para recebe-los. Há uma negação dos direitos das pessoas com deficiência.

RR – Desde 2010 o IBGE não realiza um Censo aprimorando o número de pessoas com deficiência no Brasil. Naquele ano chegou ao percentual de cerca de 24 % da população com algum tipo de deficiência – física, visual, auditiva, intelectual ou múltipla. A senhora acredita que o atual Governo pode realizar um novo Censo ou específico, para termos a real noção do número de pessoas com deficiência em nosso País ?  

PG – Sim, acredito. Devemos procurar outro meio de pesquisa para conseguirmos fazer um bom levantamento especificando os tipos de deficiência apresentada por cada um, podendo ser através do sistema de registro nacional que pode ser criado para isso.

RR – Independente do seu grau de amizade com a família Bolsonaro, sabemos que sua escolha foi feita por sua competência. E o movimento das pessoas com deficiência no Brasil está depositando sua confiança e esperança em seu trabalho. Quais são seus planos e projetos diretamente voltados para o segmento da pessoa com deficiência à frente da secretaria ?  

PG – Melhorar e fortalecer a articulação e coordenação das políticas públicas voltadas para as pessoas com deficiência. Monitorar, regulamentar e fiscalizar as leis estabelecidas na LBI junto com os representantes governamentais e da sociedade civil.

RR – A senhora pretende firmar convênios com entidades privadas, sociais ou de classe voltadas ao setor ? Quais por exemplo ? Algum projeto neste sentido já pronto para ser colocado em prática ? 

PG – Neste momento, estamos com a equipe em transição interna na SNDPD. Por enquanto não posso confirmar nada a respeito disso, mas, creio que estabeleceremos novos vínculos com diversas entidades a fim de melhorar o atendimento público voltado para as pessoas com deficiência.

RR – Em especial, pretende implantar programas junto ao Ministério da Saúde, principalmente com o SUS, cuja tabela está há anos defasada, por exemplo ?

PG – Estamos reforçando a parceria já estabelecida há tempos atrás, por exemplo: dar mais atenção à pensão para as pessoas com hanseníase, monitorar mais a pesquisa voltada sobre avaliação cadastral de pessoas com deficiência em parceria com a UNB, entre outras coisas a mais.

RR – Um dos pontos vitais no universo das pessoas com deficiência que vem se arrastando há 10 anos é o aumento do valor teto para a compra do carro 0 Km com isenção de impostos por pessoas com deficiência e familiares, estipulado em R$ 70 mil. Pretende se envolver diretamente nessa questão para a atualização deste valor teto pelos índices da inflação nesses últimos anos ? E o Surdo ? Pretende realizar algum trabalho específico para que seja também contemplado nessa isenção, uma vez que é a única deficiência que não tem até hoje direito ao benefício para a compra do carro 0 KM ?

PG – Sabemos que o sistema tributário brasileiro precisa de uma reforma estrutural para atualizar-se e diminuir o custo no Brasil, pois sua complexidade é um dos fatores que desestimula empresas a investir no país. Existe um princípio tributário básico de que quando todos pagam os tributos, todos pagam menos. Por esta razão, entre outras reduções de tributo, a isenção deve ser tratada como excepcional e não como regra. A isenção para pessoas com deficiência do IPVA é um belo exemplo de um aparente benefício, mas que na verdade transformou-se em um enorme privilégio. A isenção “é favor fiscal concedido por lei, que consiste em dispensar o pagamento de um tributo devido”, segundo Rubens Gomes de Souza. Ocorre o fato gerador, surge a obrigação, mas seu cumprimento é dispensado pela exclusão do crédito tributário dela correspondente. Esta é a diferença entre isenção e imunidade, pois nesta não ocorre o fato gerador. A isenção consta no Código Tributário Nacional como forma de exclusão do crédito tributário (art. 175, I). Nenhum Estado pode estabelecer sozinho isenções do ICMS. Elas devem ocorrer por convênio, em decisão unânime, nos termos do art. 1º da Lei Complementar 24/75. As pessoas com deficiência foram contempladas com isenção do ICMS para a compra de veículos no valor de até R$ 70.000. Trata-se de nova redação que passou a contemplar a possibilidade de que pessoas com deficiência que não podem dirigir veículos, mas cujas famílias possuem capacidade econômica, possam comprar veículos em seu nome, com o benefício fiscal. Portanto, estes contam com isenção de ICMS e IPI para compra de veículos iguais aos usados pelas pessoas sem deficiência e portanto, está aí um privilégio e não um benefício, pois a isenção de tributo para uns significa que os outros terão que pagar mais para compensar aqueles que não pagam. Se todos pagassem, poderiam pagar menos. A maioria dos veículos para PcD precisam contar com direção hidráulica e câmbio automático e  a maioria dos veículos comprados pelas pessoas com deficiência física está próximo ao limite de R$ 70.000 e sem os tributos o preço cai para aproximadamente R$ 55.000. Mesmo com a redução, comprar e manter um veículo na faixa de R$ 70.000 não é para qualquer pessoa. É necessária uma razoável renda familiar, pois apesar da isenção na compra, as despesas com a manutenção do veículo, combustível, seguro etc são as mesmas pagas pelos demais compradores. Trata-se, portanto de um benefício fiscal para a classe média e alta. Precisamos fiscalizar melhor sobre esta parte difícil. Pessoas de posses que compram carros acima de R$ 70.000, normalmente importados, não contam com a isenção do ICMS – só do IPI – mas podem, em alguns estados, solicitar isenção do pagamento do IPVA. Quanto às pessoas Surdas, a Comissão de Defesa dos Direitos das Pessoas com Deficiência da Câmara dos Deputados aprovou a proposta que estende às pessoas com deficiência auditiva e às pessoas com visual monocular a isenção do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) na aquisição de automóveis. O texto aprovado é o substitutivo, com complementação de voto, do relator, deputado Dr. Jorge Silva (PHS-ES), ao Projeto de Lei 3205/15, do deputado Alan Rick (PRB-AC) e projetos apensados (PL 3258/15, PL 4647/16, PL 4779/16, PL 4936/16 e PL 5512/16). A proposta altera a Lei 8.989/95, que hoje prevê o benefício fiscal para pessoas portadoras de deficiência física, visual, mental severa ou profunda, ou autistas. O projeto original estendia o benefício fiscal apenas às pessoas com deficiências  auditivas, mas o relator optou por estendê-lo também às pessoas com visão monocular, conforme previsto em propostas apensadas ao principal. Portanto, vamos monitorar tudo o que é de direito concedido à todas as pessoas com deficiência.

RR – Nossos leitores e assinantes estão em todo o Brasil e em outros 16 países e na expectativa da sua primeira entrevista voltada exclusivamente para um veículo direcionado às Pessoas Com Deficiência. Que mensagem poderia deixar para eles ? O que podem esperar da senhora e de sua Secretaria nesse novo governo ?

PG – A minha mensagem para todos todos os leitores é essa: “O preconceito é o pior de todas as deficiências. Se você quer fazer o mundo mudar, comece por você, trocando empatia um com o outro para sentir que o desafio é muito grande para todas as pessoas com deficiência. Ame o próximo como a ti mesmo e espalhe a tua ação na sociedade, fazendo as pessoas aprenderem junto contigo !”.  O que vocês podem esperar de mim e da SNDPD durante esse novo governo é: “Vamos garantir os direitos das pessoas com deficiência, mudar a percepção da população, acompanhar e fiscalizar o uso da Lei Brasileira da Inclusão – a LBI – nos espaços públicos. Dar mais visibilidade às pessoas com deficiência, ou melhor, torna-las protagonistas na sociedade. A falta de informação e de contato com as pessoas da sociedade é um dos maiores desafios para mudar esse quadro.

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