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O Deficiente Transporte de Cadeirantes no Brasil

Por: Marcos Neves

  • Monica Lupatin Cavenaghi

Domingo, dez horas da noite, meu telefone toca. Era um amigo intercedendo por outro: “precisamos de um carro acessível, que transporte uma cadeira de rodas. Um amigo terá alta do hospital amanhã. Fez uma cirurgia e não poderá sair da cadeira por, pelo menos, trinta dias. Precisamos alugar um carro e não estamos encontrando”.

Pedidos como este são frequentes em nossa empresa. Nem sempre são atendidos. Os cerca de 700 carros acessíveis (1) são insuficientes  para atender a demanda de uma população estimada em 2,5 milhões de cadeirantes no Brasil (2). Além disto, vivemos o problema da falta de organização desta demanda. Um bom (e mau) exemplo disto é o Taxi Preto Acessível, de São Paulo. Com uma frota de cerca de 150 carros e sem recursos para divulgação do serviço renderam-se a um contrato de volume e menor remuneração do ATENDE (serviço “porta a porta” de transporte de cadeirantes do município). Resultado: taxistas descontentes e usuários desatendidos.

Engana-se quem pensa que essa população pode, facilmente, usar um transporte convencional. É normal que tenham seus “taxistas de estimação”, pagando por longos deslocamentos apenas para evitar o desagrado que muitas vezes passam quando estes ou motoristas de aplicativos negam-se a realizar a corrida por observarem a necessidade de acondicionar a cadeira de rodas no porta malas. Semana passada designamos um nosso colaborador para transportar um cliente à sua residência após o constrangimento de duas corridas negadas. Antes da pandemia, recebi uma amiga cadeirante em minha casa. O taxista aceitou a corrida, desde que houvesse alguém no destino que a auxiliasse no desembarque. Ele não o faria.

Apesar de ainda distantes de um Brasil inclusivo, as pessoas com deficiência e mobilidade reduzida tem ganhado cada vez maior expressão na sociedade. A evolução das minorias e a Lei de Cotas em muito tem contribuído para que essas pessoas saiam de seus guetos e ocupem postos de trabalho, bancos de faculdades, bares, restaurantes, etc. E, claro, demandem por produtos e serviços de qualidade, pois deles dependem para sua inserção social e qualidade de vida.

Também incorre em erro quem associa essa parcela da população à pobreza. O Censo de 2010, do IBGE, aponta que 25% da população com deficiência no país é de classe AB. Já uma pesquisa realizada por ocasião da edição de 2008 da Reatech (maior evento de reabilitação da América Latina, que ocorre em São Paulo), apontou que pertenciam a esta classe social 42% dos cerca de 45.000 visitantes que, naquele ano, buscavam por soluções e tecnologia. Os 370 mil veículos vendidos com isenção de impostos em 2019 também nos dizem algo sobre esta população (3).

E assim, deficiente e desatendido segue o mercado de transporte acessível no Brasil, à espera de ser enxergado não pela ameaça da LBI (Lei Brasileira de Inclusão) que determina a obrigatoriedade de veículos acessíveis às locadoras de automóveis, mas pela oportunidade de um negócio ainda inexplorado.

(1) considerados taxis e veículos de empresas particulares e locadoras de veículos, de todo o Brasil.

(2) segundo CENSO 2010, do IBGE.

(3) segundo Revista Reação, edição Jan/Fev 2020.

  • Monica Lupatin Cavenaghi é administradora de empresas, especialista em tecnologia assistiva, diretora comercial da CAVENAGHI, vice-presidente da ABRIDEF e presidente do Conselho Gestor da Secretaria dos Direitos da Pessoa com Deficiência do Estado de São Paulo.

Artigo Publicado na Revista ABLA

INFORMAÇÕES COMPLEMENTARES

  • Mercado de Semi-Novos

O mercado de automóveis acessíveis profissionalizou-se a cerca de dez anos no Brasil e, portanto, já há um mercado destes modelos semi-novos, fruto especialmente de usuários particulares que, utilizando-se do direito a isenção de impostos a que fazem jus, optam por trocar seus modelos a cada três ou quatro anos, aproximadamente. O tempo médio de revenda de um modelo semi-novo é de dois meses.

  • Regulamentação de Automóveis Acessíveis

Para receber uma cadeira de rodas em seu interior, um automóvel deve sofrer uma adaptação veicular aprovada pelo DENTRAN, através de um CAT (Certificado de Adequação à Legislação de Transito) que deve ser exigido à empresa adaptadora. Atualmente, no Brasil, os dois modelos com soluções disponíveis aprovadas pelo Denatran são a Doblò, fabricada pela FIAT e a Spin, fabricada pela GM.

  • O que diz a Lei

O decreto 9762, de 2019, que regulamenta os artigos 51 e 52 da Lei Brasileira de Inclusão (Lei 13.146, de 2015), define, em seus artigos 4º. e 5º., como as empresas locadoras de veículos deverão atender a este público:

Art. 4º As locadoras de veículos oferecerão veículos automotores adaptados ao uso de pessoa com deficiência na proporção de um a cada vinte veículos da sua frota.

§ 1º Sem prejuízo das adaptações para o transporte de pessoas com outras deficiências, os veículos automotores, para fins do disposto no caput, serão adaptados observados os seguintes percentuais: 

– quarenta por cento para condutores com deficiência; e

II – sessenta por cento para o transporte de uma pessoa em cadeira de rodas. 

§ 2º Exclui-se da apuração dos percentuais de que trata este artigo a parcela dos veículos automotores destinada exclusivamente a contratos para a utilização de outras empresas em suas atividades, exceto atividades de locação de veículos.  § 3º Para o cálculo dos percentuais de que trata este artigo, as casas decimais serão arredondadas para o número inteiro mais próximo. 

§ 4º A empresa poderá dispor de frota própria ou subcontratada para atender ao disposto no caput. 

§ 5º O veículo automotor de frota subcontratada de que trata este artigo será disponibilizado no mesmo prazo dos veículos automotores da frota própria. 

Art. 5º No prazo de vinte e quatro meses, contado da data de entrada em vigor deste Decreto, a microempresa ou a empresa de pequeno porte locadora de veículos automotores poderá atender progressivamente à exigência de veículos automotores adaptados de que trata o art. 4º, à medida em que realizar a renovação de sua frota, nos termos do disposto no art. 122 da Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015. 

§ 1º Decorridos doze meses, contados da data de entrada em vigor deste Decreto, a microempresa ou a empresa de pequeno porte locadora de veículos automotores disponibilizará, no mínimo, um veículo automotor adaptado ao uso da pessoa com deficiência.  § 2º Decorridos vinte e quatro meses, contados da data de entrada em vigor deste Decreto, a microempresa ou a empresa de pequeno porte locadora de veículos deverá atender integralmente a proporção estabelecida no caput do art. 4º. 

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