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Sensação nas Paralimpíadas, ator e bailarino segue nos palcos

Por: hallak

Quem esteve na cerimônia de abertura dos Jogos Paralímpicos Rio 2016, em 7 de setembro último, ou viu o espetáculo pela tevê, com certeza se encantou com o número de dança executado pelos bailarinos cegos Oscar Capucho e Renata Prates.

A dupla apresentou um pas des deux ao som de “Bachianas Brasileiras Nº 4”, de Heitor Villa-Lobos, logo após o número que reuniu 400 bailarinos dançando com bengalas gigantes de led, um dos pontos altos da festa.

Aos 33 anos, o mineiro da cidade de Pedro Leopoldo/MG é também um ator tarimbado, há vários anos nos palcos. Até 28 de novembro, por exemplo, esteve no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), de Belo Horizonte/MG, com o espetáculo “E a cor a gente imagina”, ao lado do diretor e bailarino Victor Alves, em que Capucho foi também o responsável pela dramaturgia. A montagem colocou em perspectiva o pensamento que se tem da visão e a forma como a pessoa com deficiência visual se relaciona com o mundo à sua volta.

Cego desde a infância, ele perdeu o olho esquerdo aos 5 anos, por causa de um deslocamento de retina, devido a um alto grau de miopia, e o olho direito aos 9 anos. “Como ainda era criança, foi uma grande novidade”, lembra o ator. “Encarei como uma brincadeira poder enxergar de outra forma, tocando e identificando os objetos através do toque. Acredito que para os meus pais não foi muito fácil. Quando recebemos a notícia, em um consultório médico, que infelizmente tudo que poderia ser feito já havia sido feito, eles choraram muito. Então eu disse: não chorem, vocês serão a luz dos meus olhos. Eles foram, fizeram de mim o homem que sou hoje, me deram estudo e me ensinaram entender a vida, respeitar minhas limitações e viver neste mundo caótico e tão pouco inclusivo”, conta.  

Capucho lembra que a vida escolar não foi fácil. Saiu de uma escola especializada, onde tudo era adaptado, e foi para uma escola regular, onde os professores, a equipe técnica e os próprios alunos não tinham convivência com o “diferente”. “Foi um desafio. Aí comecei a entender a inclusão, que não existia. Ninguém era preparado e o caos estava instalado. Não havia materiais didáticos adaptados para o braile e o único recurso era o quadro negro, a voz do professor e a colaboração de um colega que ficava ao meu lado lendo tudo”, explica.

O amor pelo teatro começou ainda bem pequeno, já que os pais sempre o levavam a espetáculos. Ele sonhava um dia estar do outro lado, no palco: “Meu pai era músico, então o contato com a arte era certo, daí veio a escolha profissional, ser artista, realizar meu sonho de criança”, lembra. A carreira de ator veio antes de ser bailarino: é formado pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). “A dança veio como complemento para acrescentar conhecimentos, já que o teatro trabalha muito o olhar e, como não o possuo, procurei expressar com o corpo esta falta, acumulando vivência em oficinas de dança e espetáculos profissionais”, explica. 

A carreira começou como ator amador na escola, em 1996, acumulando, portanto, 20 anos de atuação. Ele já teve, inclusive, um grupo chamado “Nós Cegos”, que foi extinto porque os outros atores não quiseram seguir carreira. A partir daí, vem trabalhando com convites para executar trabalhos esporádicos.

No Rio de Janeiro, além da participação nos Jogos Paralímpicos, onde trabalhou com a coreografa Cassi Abranches, ex-bailarina do Grupo Corpo, um dos principais do país, ele também atuou em dois espetáculos teatrais: “Imagens de um C(Ego)”, texto escrito para ele pela autora Paula Wenke e “Feliz Ano Novo, de Novo”, espetáculo do Teatro dos Sentidos, também desenvolvido pela mesma autora e diretora técnica, em que a plateia tem os olhos vendados e acompanha toda obra encenada através da imaginação e dos outros sentidos.

Em todas as encenações que participa, ele afirma que o público o recebe muito bem e com curiosidade para entender seu trabalho no palco, já que tem bastante domínio cênico e que parece enxergar, dependendo do personagem que interpreta. 

Hoje a rotina é bem movimentada: como mora sozinho, precisa cuidar de toda a rotina da casa, além de ter ensaios regulares de 6 horas por dia e de frequentar a academia três vezes por semana. Em 2017, ele espera poder circular por todo o Brasil com os três últimos trabalhos em repertório. “Também estou aberto a novas propostas de dança/teatro e também de televisão, onde acredito que falte representatividade da minha classe, do cego, falta abertura e também profissionais competentes”, afirma.

“Acredito que para o ser humano ter um bom crescimento intelectual é preciso ter amor, respeito e o apoio da família. Só cheguei até aqui porque tive bons pais, que já faleceram, mas que me deixaram uma grande herança, o caráter e respeito ao próximo, um querido irmão e sobrinhos maravilhosos quem me motivam a cada dia trabalhar mais e poder compartilhar com todos minha felicidade pessoal e profissional”, conclui Capucho. 

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