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Teatro Cego busca viabilizar projetos

Por: hallak

“Você precisa não ver”: este é o mote do grupo Teatro Cego, criado no Brasil em 2011, com estreia nos palcos em 2012.

Os espetáculos acontecem na escuridão total e os espectadores, que não têm como usar a visão, acompanham a trama através dos outros sentidos, olfato, paladar, tato e audição.

O grupo é formado por cegos e videntes e nasceu com os irmãos Luiz e Paulo Eduardo Righi, conhecido como Paulo Palado, ator e diretor, ambos sem deficiência. Esse formato teatral surgiu em 1991, na cidade de Córdoba, na Argentina. Em 2009, Palado assistiu a um dos espetáculos enquanto visitava a cidade e resolveu trazer a experiência cênica para São Paulo, nos mesmos moldes do teatro argentino, porém adaptada a um texto brasileiro e descobrindo um método próprio de execução.

O repertório do grupo tem três montagens: O Grande Viúvo, Acorda Amor e a mais recente, Clarear. A Caleidoscópio Comunicação, produtora também dos irmãos, ainda desenvolve uma Oficina para pessoas com deficiência visual em que são ministradas aulas de interpretação, técnicas corporais e vocais para formação de atores.

“Somos especialistas em desenvolver projetos artísticos e culturais inclusivos e utilizamos as leis de incentivo como meio de exercer nossas atividades”, explica Luiz Righi. Por meio dessas leis, é possível captar uma quantia determinada de recursos para viabilizar os projetos.

Atualmente, dentro do ProAC (Incentivo à Cultura do Estado de São Paulo), foi aprovada a captação para a circulação das duas primeiras montagens pelo interior paulista e para a edição 2017 da Oficina de Teatro Cego. Já pela Lei Rouanet, ligada ao Ministério da Cultura, para a turnê de O Grande Viúvo por outros estados. Já houve captação junto a uma empresa farmacêutica e feitas apresentações no Rio de Janeiro/RJ e Curitiba/PR, faltando captar para Salvador/BA e Recife/PE.

O espetáculo Clarear não usa leis de incentivo porque é dedicado para sensibilização das empresas que querem falar de inclusão com suas equipes. “Geralmente, para essa finalidade, utilizam recursos próprios do departamento de Marketing ou de Eventos. Porém, estamos inserindo no ProAC um projeto que visa levar esse espetáculo para o teatro, abrindo essa discussão sobre inclusão ao público diverso”, explica Righi.

            A principal diferença entre os espetáculos do grupo é que todos são inclusivos, mas os dois primeiros não abordam a deficiência na trama. Já o Clarear fala abertamente sobre as relações entre pessoas com e sem deficiência.

O produtor reconhece que a fase é difícil para captação devido à instabilidade econômica. “As empresas que antes eram patrocinadoras deixaram de ter condições de aporte, caindo significativamente nossa produção. Fora os escândalos de corrupção que apareceram na mídia ultimamente e a mudança na Lei Rouanet, onde todos estão se adaptando ainda”, comenta Righi.

Ele lembra que no início do Teatro Cego era mais difícil apresentar a proposta para as empresas por ser uma experiência nova e ousada. “Com o passar dos anos e um forte trabalho de comunicação institucional, o Teatro Cego passou a ser reconhecido como um produto inclusivo, abrindo novas possibilidades de aporte por parte das empresas, que buscam conciliar cada vez mais qualidade artística com inovação social, sendo um diferencial superpositivo”, acredita.

Por conta das dificuldades na captação, ainda não foi viabilizada a Oficina para este ano. Paulo Palado considera que, através do tempo, foi desenvolvida uma linguagem diferente da utilizada no teatro convencional: “A Oficina de Teatro Cego é uma oportunidade de compartilhar isso com alunos com deficiência visual, ao mesmo tempo em que aprendemos ainda mais com esses alunos/atores, sobre o seu universo. Além disso, é uma forma de preparar novos atores para todas as formas de teatro, abrindo assim uma outra possibilidade profissional para esses alunos”, explica o diretor.

Edgar Jacques, por exemplo, que é cego, participou da Oficina em 2016. Ele já era formado como ator por uma escola tradicional de teatro e é também consultor em audiodescrição. “Meu amor pela arte de interpretar vem desde a adolescência e sempre busquei especialização. Por causa disso, resolvi participar da Oficina. Este é um dos poucos projetos que conheço que se preocupa, verdadeiramente, em fornecer ensinamento real de teatro para pessoas com deficiência visual, dando a cada uma a chance de experimentar técnicas de interpretação utilizadas em qualquer curso regular, porém tendo como diferencial a exploração das potencialidades expressivas do corpo e voz de alguém que não enxerga”, avalia.

Jacques considera que a Oficina tem profissionais competentes, com conhecimento e sensibilidade suficientes para transmitir aquilo que, em geral, se nega em projetos que visam a inclusão por meio da arte: “É comum encontrarmos situações em que a deficiência exposta é mais importante do que a expressividade, característica que não se perpetuou dentro do Teatro Cego. Ali dentro se procurava motivar por intermédio da estimulação física e mental, com o intuito de transformar o participante num ator com preparo igual ao de todos aqueles que não carregam consigo a falta de algum sentido. Essa, na minha opinião, é a grande força daquelas aulas”.

O ator já participou das três montagens do Teatro Cego e considera as experiências bastante positivas: “O Teatro Cego é a oportunidade de alguém com deficiência visual viver personagens desconectados da cegueira ou baixa visão, e também é uma maneira artística de fazer compreender que ninguém vira menos ou mais do que realmente é por ser deficiente. Com essa forma de fazer teatro, provamos que só é preciso prestar atenção a si mesmo para saber que devemos sempre nos desafiar e construir novos horizontes. Somos mais do que a falta de um sentido, somos todos pessoas com poder e inteligência para viver nesse mundo em que vivemos”, finaliza Jacques.

Um dos destaques do Teatro Cego é a atriz e cantora Sara Bentes, que será uma das atrações da abertura do evento Mobility Rio 2017, no dia 7 de julho na Marina da Glória, no Rio de Janeiro, onde interpretará ao lado do pianista cego Julio Cesar de Souza, o Hino Nacional.

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