Meu filho Gabriel é autista. Teve o diagnóstico aos 3 anos. Logo depois, recebi um panfleto de uma fonoaudióloga com umas “dicas” que eu deveria seguir. Dizia mais ou menos assim:
1) converse com seu filho sobre tudo;
2) dance com ele;
3) cante;
4) olhe nos olhos;
5) use frases curtas.
Tinham outras regras também, mas essas eu as coloquei em prática há 16 anos. Converso com ele sobre tudo e quando o “negócio aperta”, solto um: me ajuda aí…
Falo tanto NÉ que ele também responde tudo com NÉ !
Ele fala pouco, meio embolado. Mas o som da voz dele acalma minha alma e alegra meu coração. Adora cantar. Tem um repertório meio eclético ! Já cantou muito aquela do Latino: “hoje é festa lá no meu ap, pode aparecer”… Até o clássico do Roberto Carlos: “e como é grande, o meu amor… por você…
Acho que a maior regra de todas, quando você tem um filho autista é ter BOM SENSO e BOM HUMOR ! Porque você vai precisar.
Já passei por muitas situações complicadas. O maior desafio do autismo é o comportamento inadequado. Vou escolher algumas:
– Estávamos no Prezunic – um supermercado no Rio de Janeiro/RJ – eu, ele e a psicóloga, que estava o ensinando a fazer compras. Neste dia ele estava com sinusite, deveria estar sentindo dor, mas na maioria das vezes, temos que descobrir que eles estão doentes. Meu filho não chega e diz: “mãe, estou com dor na garganta”… ou no ouvido. A psicóloga era muito confusa, dava várias ordens ao mesmo tempo e ele se desorganizou e quando estava colocando uns legumes na sacola ele deu um tapa no nariz dela. O nariz sangrou, ela foi ficando verde e desmaiou. Gabriel chorava, queria se bater, ficou desorganizado. Um homem começou a falar alto que tinha que chamar a polícia, que o meu filho não podia andar solto por aí… Respirei fundo, pedi a dois funcionários do mercado que segurasse os braços do meu filho, cada um de um lado para ele não se bater, chamei a moça do mercado para acudir a psicóloga, ela rapidamente voltou a si. Parei, olhei para o meu filho, muitas pessoas do nosso lado, discutindo com o homem, eu limpei o seu rosto, com um pacotinho de lenço de papel que uma senhora colocou na minha mão e sai daquela situação com ele. Ele se acalmou, fomos para o setor do frios e parece que nada daquilo tinha acontecido.
Sempre vejo as atitudes das pessoas “boas” no mundo, porque elas sim são a maioria ! A psicóloga, um tempo depois, mandou a sócia dela encaminhar meu filho para o NEC, instituto em Boston (EUA), que demora alguns anos só para responder um formulário ! Por isso, acho que a grande sacada é o treinamento dos pais, para não ficarmos na mão de nenhum terapeuta !
Teve outro episódio no shopping:
– Ele tinha pedido o dia inteiro para ir ao shopping. Fomos ! Eu, ele e a cuidadora. Ele pediu para ir num restaurante self service. Shopping lotado, feriado escolar. Ele monta seu prato, sentamos numa mesa e de repente ele joga o prato no chão… O shopping inteiro parou ! Silêncio absoluto ! Nesta hora eu gostaria de ter me transformado num avestruz e ter enterrado minha cabeça no chão. Mas como não me transformei, respirei fundo, não me atrevi a olhar para o lado, ouvi uma voz lá no fundo oferecendo para ajudar. Agradeci. E falei sério com meu filho: “você vai pegar tudo que jogou no chão”. Fiz ele catar todos os pedaços do prato e colocar na bandeja. Depois nos levantamos como se nada tivesse acontecido. Ele foi brincar num parquinho.
Eu queria entender porque o autista se desorganiza do nada ! Tem muitas outras histórias… Muitas ! Mas tudo que vivemos valeu a pena.
Hoje, aos 19 anos, ele se comporta muito bem, sabe esperar e é muito obediente, sabe se controlar. O autista tem que ter limites, tem que ser educado, ele não pode fazer tudo que quiser só porque é autista. Eles não têm medo de correr na rua e ser atropelado, por exemplo, então cabe a nós responsáveis, ensiná-los a ter medo, a cantar, a dançar…
Eu falo com o meu filho desde pequeno que “a vida é dura”… mas que vale a pena !